FUTEBOL – histórias fantásticas de glória, paixão e vitórias
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[Top 5] Alliah

Após vagar por múltiplos universos, dançar nas mandalas infinitas da lótus cósmica e desfragmentar camadas sobrepostas de possibilidades, o Top 5 mais uma vez está saindo do forno. A convidada da vez é a escritora e artista plástica Alliah, que fala um pouco sobre as maiores influências da cultura pop sobre seu trabalho. Pela série Contos do Dragão, publicou o conto Fritei Minha Dignidade no Bacon, que você pode conferir aqui. Outros trabalhos saem em breve nas coletâneas Erótica Fantástica e Imaginários 5, ambas da Editora Draco.

 

1. Os Invisíveis e Transmetropolitan

Os Invisíveis: King Mob é um careca estiloso

 

Alliah: Os Invisíveis, de Grant Morrison, deixou meus miolos estourados no teto. Só dá pra fazer uma sinopse dessa HQ se o texto for um hipercubo. Os Invisíveis tem anarquismo, terrorismo (poético ou não, e arte-sabotagem), teorias da conspiração, criaturas interdimensionais, viagem no tempo, magia, sadomasoquismo, voodoo, deuses pré-colombianos, sexualidades e identidades de gêneros não-convencionais, e uma enxurrada absurda de referências históricas, subversivas e libertárias. Essa saturação enlouquecida é o que me guia na hora de escrever. Sou apaixonada por todos esses temas.

 

Transmetropolitan: Spider Jerusalem é um careca estiloso

Transmetropolitan, de Warren Ellis e Darick Robertson, é uma ficção científica futurista exagerada em todos os aspectos. É aquele futuro tão futuro que tudo é possível. A arte da HQ é detalhadíssima, cheia de cores e subtramas visuais paralelas. Spider Jerusalem, o protagonista que desnuda e combate a corrupção da cidade, é o tipo de personagem que faz você se inquietar e querer levantar a bunda da cadeira pra fazer algo. Transmet é influência direta pros contos da minha personagem Morgana Memphis. Desse universo (que está sendo ampliado e melhor desenvolvido) tem conto no Volume Vermelho d’A Fantástica Literatura Queer (Tarja), no VII – Demônios – Luxúria (Estronho), e outro no meu livro a ser lançado em breve, Metanfetaedro (Tarja). Ainda nesse universo, vai rolar quadrinhos esse ano (se tudo der certo), e pro futuro um pouco mais distante, um romance.

 

2. The Mars Volta e Amanda Palmer

 

The Mars Volta

The Mars Volta é uma banda de rock. Eu poderia passar o dia todo aqui falando dos gêneros em que ela pode se enquadrar, porque tem rock progressivo, psicodélico, experimental, tem jazz, tem música latina, tem bastante distorção, tem eletrônica, e por aí vai. O vocalista, o meio americano e meio mexicano Cedric Bixler-Zavala, tem a voz mais orgástica que eu já ouvi. E que é a combinação perfeita com o som completamente louco, complexo e viajante que eles fazem. Eu mal sabia inglês quando comecei a ouvir a banda lá no comecinho da adolescência, mas já sabia que era algo genial. Atualmente a música deles é inspiração diária.

 

Draco: Esse Mars no nome da banda tem algo a ver com ficção científica?

 

Sim, tudo a ver! Os caras são fãs de ficção científica, por isso que o Mars entrou aí no meio. E essa paixão é visível nas letras das músicas, que costumam contar histórias que deixariam qualquer escritor new weird com inveja. As narrativas são bem herméticas, abarrotadas de simbolismos obscuros, e possuem aquele impacto de construir cenas que não saem da sua cabeça. O vocabulário é quase alienígena e os neologismos são deliciosos. Eu quero muito chegar ao nível desses caras algum dia.

 

Amanda (Fucking) Palmer faz um som que é debochado, sarcástico, incrivelmente sexy e cheio não de alfinetadas, mas de facadas e machadadas. Eu conheci o trabalho dela no duo de punk cabaret The Dresden Dolls, com o baterista Brian Viglione. Quando eu ouvi Sex Changes pela primeira vez, sabia que gostaria de tudo mais que essa mulher fizesse, e assim é. Sou fã daquelas capazes de invadir o palco. As letras passam longe de qualquer barroquismo, são bem claras e com um humor afiadíssimo. Sem falar nas questões de sexualidade livre e questões feministas em geral. Às vezes fico alternando The Mars Volta e Amanda Palmer e uma ideia de um conto surge a cada cinco segundos. Essa bagunça de absurdos e comicidades é algo que venho explorando mais nas histórias da Morgana Memphis e em alguns textos que vão sair em trabalhos ainda não divulgados. O conto em ebook Fritei Minha Dignidade No Bacon tem bastante disso e ainda incorpora alguns memes no meio da salada. Ah, e a Amanda Palmer é a esposa do Neil Gaiman (:

(Neil Gaiman e Amanda Palmer juntaram seus talentos e fizeram isso:)

 

3.  Perdido Street Station

 

Edição francesa de Perdido Street Station, de China Miéville

Meu primeiro contato com o new weird foi a excelente coletânea The New Weird, organizada por Ann e Jeff VanderMeer. Mas eu só mergulhei irremediavelmente no gênero quando li Perdido Street Station, de China Miéville. O livro me engoliu. É pessimista e decadente ao mesmo tempo em que é maravilhoso. A construção minuciosa da cidade-estado de New Crobuzon faz você imaginar que esse lugar realmente existe. O que o China fez nesse trabalho é algo genial. Não dá pra explicar, tem que ler pra sentir. Na contracapa do livro tem uma quote do The Washington Post Book World que resume um pouco da sensação: “Existem algumas cenas aqui que são impossíveis de apagar da memória.”

 

Qual é a influência desse livro em você?

 

O livro é artístico. Acho que eu consigo definir mais ou menos assim. Aliás, o new weird em geral é extremamente artístico. E com isso, eu quero dizer que é como se você juntasse, sei lá, Bosch, Dalí, Duchamp, Pollock e William Blake, tudo numa coisa só e desse vida a essa coisa. É um prato cheio pra quem é apaixonado não só por ficção especulativa, mas também por artes visuais. A inventividade é plástica, palpável e maleável além das palavras. Quando eu me deparei com esse estilo de escrita, sabia que era por aí que eu deveria me aventurar. Aliás, no Fritei Minha Dignidade No Bacon, a favela que cresce sobre as costas de um mico-leão-dourado foi inspirada nas esculturas taxidérmicas de Pim Palsgraaf.

 

China Miéville: outro careca estiloso

 

4.  Parque dos Dinossauros, Pygmy e Contraponto

 

Jurassic Park, de Michael Crichton

Falar de referências literárias é difícil, são tantas! Então, fora do campo do new weird, escolhi essas três que representam simbolicamente assuntos que gosto bastante e que se entrelaçam.

 

Tenho grande interesse por ciência desde bem pequena. Mas a ficção científica só me conquistou de fato quando eu li Parque dos Dinossauros, de Michael Crichton, lá pelos 9 ou 10 anos. Eu já era fascinada por paleontologia e fiquei louca com aquela especulação genética cheia de ação e lições evolutivas. Sem falar que foi com Jurassic Park que eu tive meu primeiro contato com a Teoria do Caos, o que me levou a me interessar mais profundamente por Física. São assuntos que eu tenho como hobby. No meu conto Panóptica Bosônica (que vai sair na Erótica Fantástica II), por exemplo, eu brinco com um pouco de Física Teórica e subverto fetiches dentro desse mundo alternativo.

 

Pygmy, de Chuck Palahniuk

Pygmy é um dos trabalhos mais recentes de Chuck Palahniuk, que faz uma sátira mordaz da xenofobia americana. O protagonista é um jovem terrorista de um estado totalitário que se inflitra numa família de classe média como estudante de intercâmbio pra planejar um enorme atentado. O livro é todo em primeira pessoa, do ponto de vista do pequeno terrorista, com uma linguagem militar cheia de gírias que é hilária por descrever friamente os hábitos e personalidades estúpidas das pessoas com quem ele convive. O texto também tem um aspecto bem panfletário, entupido de citações políticas. É dinâmico e extremamente perturbador. É assim que eu gosto de ficção política, e Chuck faz ficção política de maneira brilhante.

 

E Clube da Luta, também é referência?


Com certeza! O trabalho mais conhecido do Chuck é referência principalmente por causa das cenas com arte-sabotagem e terrorismo poético, coisas de um anarquista chamado Hakim Bey. Nas palavras dele: “Interferir numa transmissão de TV e colocar no ar alguns minutos de arte incendiária caótica seria um grande feito de terrorismo poético – mas simplesmente explodir a torre de transmissão seria um ato de arte-sabotagem perfeitamente adequado”. O próprio Hakim e suas ideias de Zona Autônoma Temporária e textos de vários outros anarquistas são referência constante nos meus escritos mais recentes.

 

Contraponto, de Aldous Huxley, é uma das obras mais densas que eu já li. Mas é deliciosa. O núcleo é a vida da intelectualidade inglesa no período entre as duas guerras mundiais. Casais que se odeiam e não se separam, gente que se ama e não sabe lidar com isso, traições, inveja, hipocrisias e um punhado de personagens mal resolvidos sexualmente. É um novelão complicado e cheio de sarcasmo. E no meio disso tudo, páginas e mais páginas de confabulações científicas e experimentos. O resultado é uma dissecação social, um tipo de abordagem que eu admiro bastante e tenho explorado quando construo as relações entre personagens. Dorothy Parker (de quem sou fã) fazia algo assim lá no começo do século XX, só que com um humor terrivelmente trágico. Tem uma referência direta a ela num dos contos do Metanfetaedro.

 

Existem outros escritores de ficção ainda não citados que também são referência importante?

Assim, de cara, eu diria Júlio Verne e Virginia Woolf. Foram dois momentos de divisa de águas. Quando eu li Viagem ao Centro da Terra e depois quando li Mrs. Dalloway. Mudaram minha cabeça e meu jeito de escrever.

 

5.  Cher e Madonna (ou Madonna e Cher, pra não ter briga de quem vem primeiro)

 

Cher

Não, não é só porque as duas são ícones gays, embora isso também conte. Cher, pela excentricidade e exagero visual (mistura das esquisitisses dela com o talento do estilista Bob Mackie). Ela é praticamente uma mulher drag queen. Com Cher, tudo é extravagante, luxuoso e irreverente. Se eu gosto tanto da saturação de sentidos no new weird, por que não gostaria disso na moda e na música? Madonna, pela liberação sexual. Em especial o trabalho em torno do álbum Erotica, com a turnê The Girlie Show e o artbook Sex. Tenho explorado alguns temas de sexualidade e corpo nos meus textos mais recentes e pretendo levar isso adiante cada vez mais intensamente. Tenho um trabalho gráfico erótico (ou pornográfico, depende de como cada um enxerga) em fase de elaboração.

Mas fora detalhes pontuais, uma grande contribuição dessas duas pra mim é a da linguagem do espetáculo.

 

Sex, de Madonna

Como assim linguagem do espetáculo?

 

Os shows não são apenas shows musicais, são espetáculos completos. Existe todo um cuidado cênico, uma atenção maior aos figurinos, à luz, às coreografias e à magia que compõe o espetáculo, que é um tipo de quarta entidade que só aparece quando todos os elementos funcionam em harmonia. É comum pra muitos escritores imaginar suas histórias como um filme, ou como um seriado. Na hora de desenvolver e escrever, a imagem mental que se forma é a de uma produção para cinema ou TV. E essas produções possuem uma linguagem muito específica. O cara que quer escrever um épico de fantasia comumente tem um filtro hollywoodiano na cabeça. Ou o de uma série da HBO. Quando você pega o material literário e, do ponto de vista estético, tenta criar a história com um cuidado cênico de espetáculo (fazendo essa transposição estilística, obviamente, com suas devidas limitações), o resultado é outro. É experiência estética mesmo, uma parada de ligar os sentidos no máximo, ao contrário do anestésico, que é desligar essa fruição. Alguns contos do meu livro Metanfetaedro possuem esse cuidado de espetáculo. É apenas um detalhe que faz parte do processo criativo, mas o leitor atento vai sacar as diferenças na hora de sentir o texto.

 

Alliah nasceu em 1991 e é de Niterói, Rio de Janeiro, mas vive em múltiplos universos numa superposição de estados. É estudante da Escola de Belas Artes da UFRJ, artista plástica e escritora. Absorve, devora e mastiga todo tipo de referência literária, visual e musical que atrair a atenção de seus sentidos. É anarquista, ateia, feminista e acredita que a inquietação schopenhaueriana provocada pela insatisfação humana é o que tempera a vida. Fanpage no Facebook: clique aqui.

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  1. Muitas referências e o melhor é que a maioria eu não conhecia. Vou atrás. 🙂