Imaginários #47 – 12 anos de Draco – Fim de temporada
dezembro 24, 2021
Jaime Azevedo indica filmes slasher doentios
fevereiro 11, 2022

#DRACORECOMENDA – “Gnomon”, de Nick Harkaway

Por Lúcio Manfredi

Nick Harkaway é um escritor pouco conhecido no Brasil, mas tem pedigree. Seu pai é ninguém menos que John LeCarré, de quem herdou a habilidade de combinar literatura de gênero e o que os críticos insistem em chamar de “alta” literatura. Mas se o gênero escolhido por LeCarré era a espionagem, Harkaway prefere a ficção científica, e já disse a que veio com seu primeiro romance, The Gone-Away World, sobre uma bomba que aniquila parcialmente a própria realidade.

Em 2017, Harkaway, que permanece criminosamente inédito em português, lançou seu melhor romance até agora, Gnomon. O livro explora cinco realidades localizadas em tempos e espaços diferentes, cada qual com seu próprio protagonista – uma inspetora explorando as memórias de uma dissidente política assassinada em uma Inglaterra ultravigiada num futuro próximo; um banqueiro grego que depois de um encontro com um tubarão branco passa a ser capaz de prever as marés do mercado financeiro; um pintor etíope cuja arte é capaz de modificar a realidade; uma alquimista egípcia que vem a ser a mãe do filho de Santo Agostinho; e o misterioso Gnomon, que dá título ao livro e existe em um futuro distante, a respeito do qual é melhor não falar muito para não estragar as surpresas. O que torna Gnomon único e o diferencia de outras narrativas múltiplas, como os romances de David Mitchell (por exemplo, Cloud Atlas) é que cada uma dessas realidades pode ser a realidade primária, enquanto as outras não passam de simulações criadas ou por tecnologia ou por meios mágico-alquímicos.

Apesar dessa estrutura narrativa sofisticada, Gnomon não é um livro difícil, muito pelo contrário. Com personagens bem construídos e um estilo que flui com suavidade, prende a atenção desde o começo. E embora não ofereça respostas simples, discute temas para lá de pertinentes no mundo atual, como racismo, misoginia e a sociedade de controle na qual nos vemos cada vez mais enredados, sacrificando nossa privacidade e nossas liberdades individuais em troca de uma sensação ilusória de segurança.

Lúcio Manfredi é escritor e roteirista e autor do romance Encruzilhada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *