Quando li as regras de submissão para o Reinos Invisíveis, na mesma hora pensei em escrever uma história com ‘Ãmuru e sua tatuagem mágica. O protagonista nasceu em um conto meu de 2015, já no universo de Aera dos Deuses Ventos, e seu passado sombrio casaria bem com o tema de fantasia sombria proposto pela editora.
Aera nasceu do desejo de contar histórias diferentes do medieval europeu (que aliás eu adoro, mas acredito que podemos e devemos beber de outras fontes). O conto se passa em So’üangaba, uma das selvas do continente de Ka’aretama, que foi baseado em diversas culturas ameríndias. Ali, as tribos se desenvolveram em Cacicados extensos ligados pelos laços do clã, com cidades-jardins e tabas semi-nômades; onde os homens convivem com a magia rúnica e os seres-fadas das selvas.
‘Ãmuru faz parte de uma etnia quase extinta, odiada pela história e pelo folclore de todas as tribos so’üangaboaras. Tanto seu sangue quanto sua tatuagem protetora se tornaram as maldições que ele amargamente carrega, moldando-o na batalha e na solidão de uma vida sendo caçado.
Bem, eu já tinha o protagonista, então passei à história. Como desde seu primeiro conto ‘Ãmuru era um renegado, dessa vez decidi explorar o seu passado um pouco mais, antes dele se tornar perseguido pelas tribos. A história, então, retorna ao momento em que ele e o pai deixam as terras secretas de sua nação, e ajuda a explicar parte do poder de sua tatuagem maldita.
Quanto a Mo’emeté, o duende foi descaradamente inspirado (confesso) no excelente Rumpelstiltskin de Once Upon a Time (seriado de televisão).
A atuação de Robert Carlyle é um dos pontos altos da série, e eu sempre gostei de vilões com código de regras. Como sua contraparte, Mo’emeté é manipulador e ganha poder através dos acordos que faz, sempre os utilizando para alcançar seus próprios objetivos. E já que estamos nas selvas de So’üangaba, a aparência de Mo’emeté bebeu da mitologia indígena: os pés virados vieram do Curupira, e sua montaria caititu, da Caipora.
Já a doença mereba-aíba, de fato, existe: é o nome tupi para a varíola, uma das doenças mais devastadoras da história, e que também responsável por grande mortalidade dos indígenas americanos após o contato com os europeus.
E assim, aos poucos e com milhões inúmeras
revisões, nasceu o conto de como o guerreiro-xamã retornou para os pés da
montanha assombrada, para reaver uma parte de seu passado e continuar sua busca
para que um dia – esperamos –, ele tenha paz.
Possuo outros contos das selvas de Ka’aretama (como Darvarangá, da coletânea Monstros Gigantes, também pela Editora Draco, e ‘Ãmuru, no meu blog), além de contos de outras partes de Aera, que não é só indígena.
Por fim, claro, não tenham dúvidas de que o guerreiro-xamã voltará a brandir seu tacape de bronze em outras histórias.
O Reino Invisível sempre esteve perto de nós. Além dos círculos de pedra, no coração das florestas, em dimensões das quais nos separa uma frágil barreira, um povo muito antigo nos espreita com olhos cheios de paixão, curiosidade, sabedoria – mas também inveja e maldade. Seu universo é cruel e violento, repleto de traição, vingança e crianças roubadas. E basta um rápido olhar para os contos tradicionais para saber que os duendes não são as criaturinhas adoráveis que as versões modernas fazem parecer.
Você pode pisar num círculo de trevos ou cogumelos. Pode fiar uma meada de lã. Ou pode participar do novo projeto da Draco no Catarse. De qualquer jeito, prepare-se: uma vez que tenha entrado em seus domínios, os duendes não vão te largar, e você talvez só consiga voltar de lá daqui a muito tempo. Pelo menos o tempo que levar para ler este livro até o fim.