Sempre me causa uma sensação esquisita falar sobre as histórias que escrevi, de onde elas surgiram, onde foram parar, e se compraram alguma lembrancinha no caminho. Porque as águas do rio passaram, eu também passei e quem será que está olhando para aqueles personagens agora?
Mas vamos lá.
Quando eu era criança, costumava me apaixonar por garotas estranhas em sonhos. Garotas que nunca tinham a mesma aparência, garotas que pareciam ser sempre a mesma pessoa, que riam, brincavam e diziam coisas enigmáticas. Conforme cresci, esses sonhos foram desaparecendo. Não sei o que esses significavam. Mas me lembro deles muito bem.
E então eu não estava mais lá tem um pouco a ver com isso.
Quando a querida Ana Lúcia Merege me convidou para participar da nova coletânea que estava organizando, fiquei feliz da vida com o tema. Magos, oras! Quem não gosta de magos? Era a oportunidade para misturar no caldeirão de referências guardadas aqui na cachola os Elminsters, Constantines, Tim Hunters e Doutores Estranhos, acrescentar umas gotas da pop magic morrisoniana e uns pelos de gato preto para dar um gostinho, deixar cozinhar e abracadabra!, um conto novinho cheio de feitiçaria, brilho e encanto.
Mas o tempo foi passando e a magia não funcionava. Embora a gente possa dizer que histórias são mágicas e produzem mudanças na realidade quando contadas (dos xamãs e griots a Alan Moore, todo contador de histórias é meio mágico, certo?), escrevê-las é um tipo de tarefa bem mundana. Consiste em empilhar palavras, se afastar para verificar o prumo, derrubar e fazer de novo, enquanto tenta não procrastinar no Twitter. E eu já havia derrubado várias paredes sem ter um conto para mostrar para a Ana.
Daí a parede se ergueu para mim na forma de uma música de Joni Mitchell. O cântico que faltava para fazer a mágica acontecer, talvez. Chama de Udûn, eu já tinha o conto.
E então eu não estava mais lá é uma das minhas histórias mais antigas, e talvez seja a minha favorita. Porque, ao contrário do título, está tudo aqui. São meus temas favoritos, escritos um pedacinho por vez, no intervalo de anos entre o trabalho em O Alienado e E de Extermínio. Se eu arriscar dizer que o conjunto dessas histórias pode ser interpretado como a busca de si mesmo, sonhos, morte e lembranças, neste conto isto é muito mais explícito. Aqui temos Marlo, que está passando por momentos bem ruins em sua vida, e seu encontro com Rei dos Sonhos, uma garota que diz ser brizomante e que descasca as camadas da realidade diante dos seus olhos e, ei, isso é estranho.
Em geral, o todo é muito mais que a soma das partes, e gosto de pensar que, observando o conto à distância, E então eu não estava mais lá é sobre não se desconectar de si mesmo. Bom, talvez haja um psicologismo bobo aí. Seja como for, cito Homer Simpson: soou mais legal na minha cabeça.
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