Draco Parceiros – Resultado do sorteio de abril
abril 4, 2012
[Top 5] Cirilo S. Lemos
abril 12, 2012

Que diabos é a tal New Space Opera?

Antes de falar sobre a new space opera, é preciso deixar bem claro que a old space opera, a space opera clássica, nunca existiu. Autores como E. E. Doc SmithA. E. Van Vogt ou Isaac Asimov não achavam que estavam escrevendo space opera e provavelmente reagiriam ofendidos a qualquer sugestão nesse sentido. É que, nos anos 30 a 50, que hoje são considerados como a Era de Ouro da space opera, o termo – cunhado pelo escritor Wilson Tucker em 1941 – tinha um sentido exclusivamente pejorativo e era usado para se referir a aventuras espaciais melodramáticas e mal-escritas. “In these hectic days of phrase-coining”, escreveu Tucker, “we offer one. Westerns are called horse operas, the morning housewife tear-jerkers are called soap operas. For the hacky, grinding, stinking, outworn space-ship yarn, or world-saving for that matter, we offer space opera.”

Dois fatores contribuíram para mudar o significado de space opera. Em primeiro lugar, na percepção do público em geral, aventuras espaciais melodramáticas, bem ou mal escritas, tornaram-se sinônimo do gênero. Até hoje, quando se fala em ficção científica, é nesse tipo de história que os não-iniciados pensam antes de mais nada. Essa associação ficou ainda mais reforçada pelo segundo fator, que foi o advento da new wave na década de 60, e a reação ao movimento capitaneada por Lester e Judy Lynn Del Rey.

A ambição dos autores da new wave – especialmente a vanguarda britânica, liderada por Michael MoorcockBrian Aldiss e J. G. Ballard – era aproximar a ficção científica da literatura e, para isso, eles julgaram que seria uma boa estratégia se desvincular dos estereótipos e clichês da ficção científica clássica. Space opera era um rótulo conveniente para designar tudo o que eles não queriam fazer e, dessa forma, passou a ser aplicado a obras como Fundação ou a série Lensman, de E. E. Doc Smith.

Série Lensman, de E.E. Doc Smith

Do outro lado das trincheiras, o escritor e editor Lester Del Rey, junto com sua esposa, Judy Linn, se levantaram em defesa dos “valores tradicionais” da ficção científica e fizeram isso abraçando a nova definição de space opera criada pelos autores da new wave, mas tomando o cuidado de inverter o sinal: para os Del Rey, aventuras espaciais melodramáticas, desprovidas de pretensões literárias ou filosóficas, viraram o modelo mesmo do que a ficção científica deveria ser. À frente do selo de ficção científica da Bantam Books, os dois se puseram a reeditar obras clássicas da ficção científica, agora orgulhosamente proclamadas como “a boa e velha space opera”.

A crônica da origem, desenvolvimento e transformação da space opera clássica, que eu tentei resumir nos parágrafos acima, é apresentada em detalhes por David G. Hartwell e Kathryn Cramer em “How Shit Became Shinola”, a introdução que os dois escreveram para a antologia The Space Opera Renaissance, que aponta para o passo seguinte dessa evolução, também documentada nas ótimas The New Space Opera The New Space Opera 2, editadas por Gardner Dozois e Jonathan Strahan: o momento em que a space opera se libertou das conotações saudosistas para se alçar à vanguarda da ficção científica contemporânea.

Duna, de Frank Herbert (Aleph)

O fantasma de Hegel diria que era um movimento inevitável: tese, antítese, síntese. Na época mesma em que new wavistas e anti-new wavistas terçavam armas em torno do que a ficção científica era ou deveria ser, alguns autores – muitos dos quais egressos da própria new wave – puseram-se a escrever obras que combinavam a ambientação espacial da space opera com a estética, a guinada para as ciências humanas e a inquietação filosófica do movimento new wave. A série Duna, de Frank Herbert, que começou a ser publicada em 1965, tornou-se o paradigma dessa nova postura, que inclui ainda o Ciclo Hainish de Ursula K. LeGuin (cujo primeiro volume, O Mundo de Rocannon, foi lançado um ano depois de Duna), e as obras de Samuel R. Delany – talvez o autor que levou mais longe essa fusão entre dois opostos tidos como inconciliáveis, com a trilogia The Fall of the Towers e os romances Empire StarBabel-17, Nova Triton, entre outros. Os próprios Brian Aldiss e Michael Moorcock, bastiões britânicos da new wave, acabaram contribuindo para esse cânone, o primeiro com a trilogia Helliconia, no início da década de 80, e o segundo com a sérieDancers at the End of Time. É preciso mencionar ainda John Brunner, que comungava do ideário new wave em romances experimentais como Stand on Zanzibar e A Órbita em Ziguezague, ao mesmo tempo em que ganhava a vida escrevendo aventuras espaciais que, inevitavelmente, acabavam absorvendo elementos do ethos radical de seu autor.

Esses livros todos criaram a estufa na qual, a partir do final da década de 70, a new space opera começou a germinar, atingindo seu ápice nos anos 90.

No entanto, seria injusto esquecer que, mesmo nos velhos tempos da space opera clássica, existiram precursores dignos de nota, entre eles Tiger! Tiger!, de Alfred Bester (mais conhecido pelo título da edição americana, Stars My Destination), que combinava aventura espacial com poesia concreta, e The World of Null-A, de A. E. Van Vogt, que usava uma trama de intriga interplanetária para levantar questões metafísicas sobre a natureza da realidade e da identidade pessoal (não por acaso, Van Vogt é o autor “das antigas” que mais influenciou Philip K. Dick).

The World of Null-A, de A.E. Van Vogt

De qualquer forma, foi nas últimas três décadas do século XX que a new space opera germinou, floresceu e tornou-se um dos troncos principais na vasta floresta que é a ficção científica contemporânea.

Mas afinal, que diabo é a new space opera e em que ela se diferencia da space opera tradicional? Talvez o melhor seja começar pelas características que elas têm em comum.

Apesar de alguns clássicos da space opera, como Tiger! Tiger! e O Mundo de Null-A, se passarem dentro dos limites do Sistema Solar,  os quintais do Sol logo se revelaram insuficientes para as ambições cósmicas do gênero, que não tardou a concentrar o melhor de seus esforços no retrato de impérios galáticos e civilizações que abrangiam dezenas, centenas e até mesmo milhares de sistemas planetários, alguns habitados apenas por descendentes de colonizadores humanos, outros compartilhados com as mais variadas espécies alienígenas.

Fundação, de Isaac Asimov (Aleph)

new space opera retém esse escopo grandioso – e, por que não dizer, operístico – acrescentando suas próprias contribuições à fauna galática: além dos humanos convencionais, extraterrestres, robôs e androides caros à ficção científica desde os anos trinta, na nova galáxia se podem encontrar pós-humanos, trans-humanos, animais evoluídos artificialmente até a autoconsciência (se bem que, nesse departamento, precedidos pelas obras de Clifford Simak), bem como consórcios de inteligências artificiais, algumas construídas originalmente na Terra mas emancipadas do controle humano, outras nascidas do desenvolvimento de civilizações alienígenas.

Muitas dessas civilizações existem num mundo pós-Singularidade tecnológica, o sonho milenarista compartilhado por alguns cientistas e escritores de fc, quando o avanço da tecnologia chegará a um ponto em que a simbiose entre os humanos e as máquinas determinará o fim da evolução natural e o início de uma nova curva evolutiva, com a humanidade atingindo níveis de consciência, conhecimento e capacidade que hoje estão fora do alcance do nosso limitado equipamento biológico. Verdadeiros super-homens aperfeiçoados pela engenharia genética, pela cibernética, pela nanotecnologia e pela fusão final entre o cérebro e o computador.

Aliás, a nanotecnologia e, mais recentemente, a computação quântica estão para a new space opera como o raio laser, o computador e a espaçonave estavam para a space opera clássica. Nanorrobôs são virtualmente onipresentes e não raro saem do controle, contaminando planetas inteiros com pragas nanotecnológicas que consomem tudo o que vêem pela frente, dando origem ao que, no jargão do gênero e seguindo a expressão criada por Eric Drexler, ficou conhecido como gray goo (aproximadamente, “gosma cinzenta”).

Mas, ao mobilizar toda essa parafernália técnica e essa galeria de personagens in-, pós- e trans-humanos, a new space opera continua fiel aos objetivos da space opera clássica e, segundo o consenso crítico, da ficção científica como um todo: a busca do sense of wonder, uma sensação de arrebatamento, espanto e maravilhamento que não tem pouco em comum com o sublime da estética romântico e com o numinoso nas religiões.

Agora, porém, as apostas são mais elevadas do que nos tempos de E. E. Doc Smith. Os conceitos e imagens que eram capazes de entupigaitar um leitor da década de 30 foram assimilados pelo repertório convencional da ficção científica e muitos deles saltaram para a realidade. Computadores estão por toda a parte, a robótica tornou-se um ramo perfeitamente respeitável da engenharia e o laser deixou de ser o raio da morte para se converter em uma peça-padrão nas fábricas, consultórios de dentista e aparelhos de DVD. Para despertar o sense of wonder, o escritor contemporâneo tem que cortar um dobrado, pegar os conceitos mais radicais da especulação científica e levá-los às últimas consequências, e essa ousadia é um dos traços mais marcantes da new space opera.

O outro é a autoconsciência literária. Criado na escola das revistas pulp e compartilhando, ao menos em parte, a ideologia de Lester Del Rey de que a ficção científica não tem ambições literárias, Asimov, na década de 80, ainda podia reivindicar para si um estilo deliberadamente pobre, funcional, que servia apenas para contar uma história da maneira mais eficiente possível.

O filósofo Ortega y Gasset dizia que existem dois tipos de escritores – vitralistas, que produzem obras-primas de sofisticação e refinamento, e vidraceiros, que visam um texto o mais transparente possível, que se coloque entre o olho do leitor e a paisagem da história com o mínimo de distorção. Tomando emprestada essa metáfora (sem citar a fonte que, aparentemente, ele desconhecia), Asimov costumava dizer que ele e boa parte dos seus companheiros de geração eram modestos vidraceiros, sem nenhuma preocupação com estilo.

Os autores das novas gerações não podem mais se dar a esse luxo, por vários motivos. Em primeiro lugar porque, como foi dito acima, o movimento new wave trouxe para dentro da ficção científica uma preocupação com questões literárias que reduziu, se é que não eliminou, a distância entre o gênero e a chamada “alta literatura”. E, como vimos, foram os autores ligados à new wave que prepararam o terreno para o que viria a ser a new space opera.

Structural Fabulation, de Robert Scholes

Simultaneamente, a ficção científica tornou-se matéria de estudos acadêmicos, e muitos dos críticos que se debruçaram sobre o gênero – como o pioneiro Robert Scholes, autor deStructural Fabulation – eram também teóricos da literatura pós-moderna, que encontraram afinidades entre os dois gêneros. Boa parte dos escritores mais recentes tiveram uma formação acadêmica, que os levou não só a absorver essas ideias como a ter uma noção de conjunto da literatura, e da posição da fc dentro desse conjunto, que jamais passaria pela cabeça de um Jack Williamson ou um Ray Cummings. Não custa lembrar, a propósito, que Samuel R. Delany, precursor da new space opera e uma das figuras de proa da new wave nos Estados Unidos, transita lépido e fagueiro pelas três posições: como escritor de formação acadêmica, como crítico da ficção científica e como teórico do pós-modernismo, dobradinha (ou melhor “tribadinha”) repetida por um de seus principais discípulos na fc contemporânea, o escritor, crítico e teórico australiano Damien Broderick.

Por esses e outros motivos, um autor que surgisse hoje com a mesma despretensão literária de um Asimov dificilmente ia se criar na ficção científica – pelo menos no mundo anglófono, onde a fc é um gênero maduro, solidamente estabelecido e que carrega atrás de si essas décadas de história e desenvolvimento. Nos dias que correm, um bom autor de fc precisa ser ao mesmo tempo vidraceiro e vitralista.

Space Opera, representante brasileiro do gênero (Editora Draco)

E os criadores da new space opera o são com certeza. Seus textos mostram um grau de elaboração estética a anos-luz de distância da simplicidade apressada com que os escritores da era pulp jogavam as frases na página, de olho mais na contagem de palavras (eles ganhavam por palavra) do que na estrutura do parágrafo. Considere, por exemplo, o parágrafo de abertura de Neverness, de David Zindell:

Long before we knew that the price of the wisdom and immortality we sought would be almost beyond our means to pay, when man – what was left of man – was still like a child playing with pebbles and shells by the seashore, in the time of the quest for the mystery known as the Elder Eddas, I heard the call of the stars and prepared to leave the city of my birth and death.

Agora compare com a seguinte passagem de O Rei das Estrelas, de Edmond Hamilton, um dos romances mais representativos da space opera da década de 40:

Os atacantes de borracha! Os nativos daquele mundo louco haviam penetrado as defesas de Durk Undis e invadiam a nave!

– Lianna! – berrou Gordon, vendo a moça ser levada por um monstro.

Com seus rostos sem expressão e olhos redondos, outros monstros corriam para ele. Tentou fugir ao abraço de Linn Kyle e levantar-se. Mas não teve tempo!

As frases bem trabalhadas (e a economia no uso dos pontos de exclamação!) não são a única evidência da maturidade literária dos autores. Esta também aparece no uso esperto de referências literárias, na intertextualidade e no diálogo com as obras canônicas do (mal-)dito mainstream. Enquanto os escritores da Era de Ouro orgulhavam-se do gueto que isolava a fc do resto da literatura e mantinham uma distância cautelosa do mainstream, os autores contemporâneos transitam com desenvoltura entre as fronteiras do que, num tempo mais cheio de certezas, costumava-se chamar de “alta” e “baixa cultura”. Consider Phlebas, de Iain M. Banks, tira seu título de um verso de “The Waste Land“, de T. S. EliotThe Hyperion Cantos, de Dan Simmons, extrai não só o nome como boa parte da intriga dos poemas de John Keats (que é, ele próprio, em versão facsimilar, um dos personagens da saga) e o mesmo Dan Simmons funde space opera com mitologia grega, a Ilíada de Homero e A Tempestade de Shakespeare (para não falar das constantes citações de Proust) na bilogia Illium/Olympos, cuja intriga fica circunscrita ao Sistema Solar mas, em compensação, se abre para outras realidades alternativas.

Illium, de Dan Simmons: influência de Shakespeare e mitologia grega

Como uma parte significativa da fc atual, a new space opera flerta ainda com o pós-modernismo e com a metaficção, o que é quase inevitável quando se trata de um gênero com mais de um século de história nas costas – o que Damien Broderick chama de “o metatexto da ficção científica”. Às vezes com uma ironia declarada, às vezes com uma inescrutável poker face, os clichês, convenções e tropos da ficção científica são empregados e subvertidos conscientemente. Outras vezes, as obras tematizam a permeabilidade dos limites entre ficção e realidade.

Um caso particularmente curioso de metaficção, que vale a pena citar por extenso, aparece emSingularity Sky, o romance de estréia de Charles Stross:

the colony of Critics writhed and tunneled in their diamond nests, incubating a devastating review. A young, energetic species, descended from one of the post-Singularity flowerings that had exploded in the wake of the Diaspora three thousand years in their past, they held precious little of the human genome in their squamous, cold-blooded bodies. (…) The Critics watched with their peculiar mixture of bemusement and morbid cynicism, while the soldiers of the First and Fourth Regiments shot their officers and deserted en masse to the black flag of Burya Rubenstein’s now-overt Traditional Extropian Revolutionary Front.

Imagino como os críticos devem ter se sentido ao se verem retratados como uma raça de répteis alienígenas…

Singularity Sky, romance de estreia de Charles Stross

Singularity Sky, romance de Charles Stross

Mas, de novo, é preciso frisar que sempre existiram exceções dentro da tradição clássica. Duas das obras mais importantes de Fredric Brown são flertes declarados com a metaficção: em What Mad Universe, o editor de uma revista pulp vai parar em um universo paralelo regido pelas convenções da space opera, e em Martians Go Home!, a Terra é invadida por homenzinhos verdes de Marte, e um escritor de ficção científica começa a desconfiar que os invasores saíram de sua imaginação desvairada. A diferença é que essas obras são atípicas dentro do cânone do gênero (Fredric Brown sempre foi visto mais como “um escritor para outros escritores” do que como um autor popular), ao passo que, com a new space opera – como aconteceu com quase todos os campos da fc depois dos anos 80 – a intertextualidade e a metaficção tornaram-se estratégias textuais recorrentes.

Diante de tudo isso que a gente acabou de ver, deve ter ficado evidente que a new space opera é menos uma ruptura do que um prolongamento da space opera clássica. É a boa e velha space opera sonhada por Lester Del Rey, só que incorporando o amadurecimento, a evolução e os desdobramentos que a ficção científica atingiu na segunda metade do século XX.

new space opera tornou-se cada vez menos o faroeste espacial sacaneado por Wilson Tucker (do qual a fc clássica já tinha começado a se distanciar), ganhou complexidade política, psicológica e social, sofisticou-se literariamente e, de um modo geral, deixou de ser o que Jack Williamson descreveu na The New Encyclopedia of Science Fiction como uma “expressão do tema mítico da expansão humana contra uma fronteira desconhecida e incomumente hostil”. Mas, upbeats à parte, o resto da caracterização de Williamson continua valendo, e a new space opera ainda é, como a space opera clássica já foi, a “narrativa de aventura espacial que se tornou a mola-mestra da moderna ficção científica”.

Artigo originalmente postado aqui.

Lúcio Manfredi nasceu em São Paulo, em 1970, e vive no Rio de Janeiro desde 2001. É escritor e roteirista da TV Globo, com contos publicados nas antologias Intempol (2001), Histórias do Olhar (2002), Como Era Gostosa a Minha Alienígena (2002), Vinte Voltas ao Redor do Sol (2005), Dez Contos de Terror (2009), Galeria do Sobrenatural (2009) e na coletânea Paradigmas 3 (2009). Em 2010, publicou seu primeiro romance, Dom Casmurro e os Discos Voadores.


 

3 Comments

  1. Jonas disse:

    Dizer que um escritor como Asimov não iria “se criar” hoje, é de uma arrogância homérica.

    O fato de algo ficar mais “sofisticado” não necessariamente faz dele melhor, acredito que toda sofisticação nesse gênero tem que servir a um propósito: contar uma história interessante.

    É louvável a busca da evolução na SO, desde que ela não perca o foco , se prendendo demais a estética, divagando nas teorias e elocubrações típicas de alguns autores, deixando em segundo lugar o mais importante, aquilo que cativa o leitor, que é a aventura.

  2. Dracoblog disse:

    Olá, Antonio. Obrigado pela contribuição. Só para constar, o
    artigo original de Lúcio Manfredi é bem mais extenso que a versão
    publicada aqui no Dracoblog. Foi preciso condensá-la, pois muita gente tem
    dificuldade com textos extensos na tela do monitor. Para não sermos injustos,
    o artigo original dedica uma grande parte à obra de Asimov, destrinchando Fundação
    e suas continuações, tanto de Asimov, quanto de escritores autorizados como
    Benford, Bear e Brin. Recomendamos a visita ao blog pessoal de Lúcio, onde se encontram
    as três partes condensadas no post acima. Segue o link: http://epistemonikephantasia.wordpress.com/2010/01/14/que-diabo-e-a-tal-da-new-space-opera-33/

  3. Algumas observações sobre o assunto.

    Primeiro, a antologia “Space Opera” da Editora Draco, com todo o respeito e sem nenhum demérito, pouco tem a ver com New Space Opera. Mesmo tendo sido escrita nos anos 2010, é “old school” na tecnologia, linguagem e cenários. No que já li de ficção científica brasileira já publicada, há uns poucos flertes com temas dessa nova onda – a presença de humanos modificados, engenharia em escala cósmica e nanotecnologia nos textos do Clinton Davisson, de inteligências artificiais super-humanas nos livros de Gerson Lodi-Ribeiro e João Beraldo série “Taikodom” – , mas nenhum texto escrito inteiramente nesse espírito.

    Segundo, embora Lucio Manfredi descreva bem muitas características da New Space Opera, na minha opinião deixa a impressão errada de que a novidade é escrever com mais apuro e maturidade e introduzir novas especulações tecnológicas. Para isso, reduz a“old school” a um exemplo quase caricatural, quando também poderia lembrar o clássico Fundação de Isaac Asimov como boa Space Opera à moda antiga, e também todas as séries Star Trek e Star Wars.

    A meu ver, o que a diferença real é uma questão temática, em relação à qual os demais traços são consequências ou acessórios: o assunto da (Old) Space Opera era o “Triunfo da Humanidade”, a conquista do universo pela espécie humana tal como a concebia um pensador da Renascença, apenas, talvez ou com seu potencial melhor aproveitado pela ciência, ética e razão iluministas. O capitão Kirk ou seu sucessor Picard, por exemplo, são homens fora do comum por seus padrões éticos e por sua inteligência, mas são apenas (e enfaticamente) humanos. Na Space Opera tradicional, robôs e inteligências artificiais não-humanas estão ausentes ou são marginalizadas, às vezes à custa de explicações complicadas ou proibições explícitas. Seres humanos modificados são aberrações perigosas a serem combatidas e os alienígenas, quando não são “quase humanos”, são meras curiosidades ou ameaças a serem submetidas ou destruídas.

    Já o assunto da New Space Opera é a “Superação da Humanidade”, a discussão das muitas maneiras imagináveis de vida pós-humana. Entram aí tanto alienígenas poderosos e realmente diferentes (sem serem necessariamente monstruosos ou ameaçadores) quanto inteligências artificiais que convivem com os descendentes de humanos e frequentemente se hibridizam com eles. Muitos autores imaginam modificações mais ousadas nos corpos e mentes dos futuros pós-humanos do que a velha escola ousava atribuir aos alienígenas mais exóticos, ou a multiplicação de espécies pós-humanas capazes de resultar numa galáxia mais pluralista que a de Star Wars. O tema é a relativização e o questionamento dos ideais humanos, não sua celebração.