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[Top 5] Luiza Salazar
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[Top 5] Cirilo S. Lemos

“Que segredos existem por trás das torres de aço e vidro da Cidade-Centro?

Cosmo Kant, operário com nome de filósofo e vida ordinária, precisa lidar com essas questões após testemunhar um homem atravessar o espelho do banheiro como num passe de mágica. Enquanto o governo trava uma guerra não oficial contra o Nada, Cosmo vê sua história se entrelaçar com a de um inspetor encarregado de investigar possíveis ataques terroristas contra a realidade, mas que está mais interessado no amor de uma mulher proibida.

A resposta para suas perguntas pode estar perdida entre as lembranças, no tempo que se estica e se sobrepõe, nas filas que parecem uma entidade coletiva, nas mãos de um Forasteiro manipulador que usa crianças como bombas, nos corredores escuros de um Arquivo inalcançável… ou em lugar nenhum. Em um mundo de dúvidas, só existe uma certeza: os Metafilósofos vigiam você.”

O Alienado

O romance O Alienado chega em breve rodeado de grande expectativa. E não é para menos, o autor Cirilo S. Lemos tem encantado leitores e críticos em suas participações em coletâneas. Para conhecermos melhor o trabalho e o imaginário que compõem o seu romance de estreia e seus contos, convidamos o autor para a segunda participação do Top 5.

Confira abaixo:

 

1. A Metamorfose, Franz Kafka

A Metamorfose, de Franz Kafka

Cirilo S. Lemos: A história de Gregor Samsa, um homem absolutamente comum soterrado pelas responsabilidades do dia a dia, que uma bela manhã acorda e se descobre transformado em inseto. Há quem diga que se trata de uma metáfora para a desumanização do homem diante dos processos cada vez mais burocráticos trazidos pela modernidade, pelo trabalho especializado e maçante (haveria um eco de Marx aí?), pela inadequação da religião como fonte satisfatória de respostas, pelo absurdo de um mundo industrial, frio e cada vez mais nacionalista. Também tem quem afirme que Kafka é uma espécie de Kurt Cobain da Literatura (ou o oposto, levando em conta a precedência cronológica), para quem a famosa expressão do líder do Nirvana I hate myself and I want to die cairia como uma luva. Nesse caso, o tcheco pouco estaria se importando para a humanidade. Estava falando de si mesmo, lidando com seus demônios da melhor maneira que podia. Na Metamorfose, Kafka cantou sua aldeia, e o mundo se viu nela. E que se dane se era uma barata ou um besouro, meu senhor.

Draco: Captamos alguns ecos de Kafka no universo de O Alienado…

CSL: Acho que Kafka está em tudo produzido de 1915 para cá. É, Kafka está aqui, escondido na sensação do protagonista, Cosmo Kant, de que não há sentido nenhum na realidade objetiva, na vida que ele leva, na rotina de acordar-trabalhar-consumir-dormir-ver-televisão. É uma insatisfação prática, como não gostar do próprio emprego, mas que permite o salto para uma inquietação mais metafísica. Na Metamorfose, isso se traduz na transformação em inseto. Gregor Samsa é arrastado pelo mundo que não compreende – ou compreende bem demais, vai saber. Em O Alienado, a luta de Cosmo é para fincar o pé em algo palpável e não se perder. Como resultado, se a realidade não o muda, talvez ele mude a realidade. Mas eu arriscaria dizer que há bastante de O Processo aí também. Escolho a Metamorfose por ser divertido. O Processo, me perdoem, é chato demais.

Draco: E tem o onipresente K.

CSL: Sim, tem o K. Pode pensar em Kafkiano, em Franz K. Mas a ideia também é K de Kant. O nome é para soar um pouco estranho mesmo, mas ele possui uma função específica. Sabe aquelas ideias de menoridade do homem, virada de Copérnico? Apareceu um pouco disso no livro, você não vai encontrar isso lá sem procurar. Filosofia não é tão inútil, pessoal. Ela é viva. Escrevam aí.

 

2. Elektra Assassina, Frank Miller e Bill Sienkiewicz

Elektra Assassina, de Frank Miller e Bill Sienkiewicz

CSL: Elektra é a ninja criada por Frank Miller para a série mensal do Demolidor, lá nos anos 80. O candidato à presidência favorito da América, jovem, bonito e arrojado aos moldes de Kennedy, é na verdade A Besta, um demônio doido para controlar o país mais poderoso do mundo. Só Elektra pode detê-lo. À primeira vista, o enredo parece simples, uma ideia antiga (o demônio que usa disfarces para corromper é Satã, é Sauron, é o Mestre do Santuário, o próprio Miller usou um demônio com as mesmas características em Ronin), mas o roteiro fragmentado, psicótico e cheio de ação é daquele Frank que amamos, o que morreu em algum ponto da década de 90. Então, não espere nada convencional. Tudo isso, mais a arte alucinógena de Bill Sienkiewicz, transforma Elektra Assassina num vagalhão surrealista.

Draco: Algumas cenas no seu livro parecem remeter às histórias em quadrinhos, como As Aventuras de Luther Arkwright e Os Invisíveis. Algum desses trabalhos foi referência direta em O Alienado?

Os Invisíveis, de Grant Morrison

CSL: Sim. Tenho uma relação de amor com as histórias em quadrinhos desde que me entendo por gente. Aprendi a ler com eles, cresci com eles, e nunca engoli muito bem essa tentativa de diminuir seu valor artístico ou, ao contrário, encaixá-los em espaços em que não cabem. Sempre os vi como um canal de histórias tão competente quanto o cinema e uma experiência narrativa tão densa quanto um romance, se você encontrar a obra certa. Para falar a verdade, se hoje minha tentativa de contar histórias é a literatura, isso se deve à minha total falta de talento com desenho. No fundo, devo ser um quadrinhista frustrado que foi tolo o suficiente para achar que escrever era mais fácil (você pode ouvir a risada de escárnio de Iori Yagami no fundo agora). Em O Alienado, as histórias em quadrinhos aparecem como o objeto de interesse de dois personagens importantes. Um deles é fã de super-heróis e consome esse tipo de revista, e isso se reflete na forma como ele narra alguns trechos. Conforme algo de sua inocência vai se diluindo, se dilui também essas referências. O outro personagem é um desenhista, ou quase, e muito do que ele desenha, sem saber, são pontos que fazem a realidade fragmentada da Cidade-Centro se movimentar um bocadinho. Os quadrinhos são importantes no livro. Mas creio que não tenha sido exatamente isso que você perguntou…

Draco: Pois é, eu queria saber sobre influência direta. Arriscaria Luther Arkwright e Os Invisíveis.

CSL: São dois trabalhos ótimos. Apesar da similaridade de temas, Luther Arkwright não exerceu efeito direto sobre O Alienado, pois foi um contato posterior. Mas não há como negar uma influência indireta de Os Invisíveis, do Grant Morrison, pois há a velha questão dele ser a base principal de Matrix, Matrix influenciou… Bom, Matrix influenciou muita coisa na cultura pop nesse comecinho de século. Inclusive meu livro, no ponto em que questionar o status quo é crime, uma espécie de terrorismo. Ousaria dizer que essa influência não é tão profunda quanto outra obra de Morrison, Homem-Animale mesmo essa não exerceu o mesmo peso que Elektra Assassina. O trabalho de Miller e Sienkiewicz foi um dos meus alvos enquanto escrevia, e muito dali se imiscuiu no universo do livro. Assim, de supetão, aponto para a narrativa esquizofrênica, a estética (o personagem AM013 dentro dos sanatórios dos Metafilósofos, os equipamentos médicos, por exemplo), uma agência governamental dúbia e indecifrável, o operativo que não sabe exatamente seu papel… Bastante coisa, eu acho. Aproveito para revelar um segredo: se você juntar Sienkiewicz e Straczynski numa mesma palavra e a recitar três vezes no tom correto, pode despertar o Grande Cthulhu.

The Adventures of Luther Arkwright, de Bryan Talbot

 

“Dizem que uma sombra os seguia por onde quer que fossem. As flores murchavam, as crianças choravam, os animais se escondiam. Quando apareciam, as pessoas sabiam que algo estava profundamente errado. E não estamos falando aqui de carteiras batidas, música alta em bairros residenciais ou brigas de trânsito. Estamos falando de crianças explodindo, terrorismo telúrico, corrupção filosófica, vandalismo contra paradigmas. Coisas sérias, coisas que as pessoas não faziam ideia de existir, mas sentiam na forma de arrepios estranhos, ou naqueles momentos em que todos silenciam de repente numa roda de conversa. Nessas horas, eles estariam nas redondezas em seus carros escuros cheios de segredos, com seus ternos alinhados e suas máscaras de couro e metal, feitas para reprimir qualquer presunção de individualidade.”

                “Como agora.”

                                                                                 Trecho de O Alienado

 

3 – Rabos de Lagartixa, Juan Marsé

Rabos de lagartixa, de Juan Marsé

CSL: Melancólico, Rabos de Lagartixa é sobre uma pequena família que, apesar de desfeita, sonha. O pai é um fugitivo da Justiça por seu envolvimento com questões políticas delicadas, talvez até mesmo esteja morto. Isso não impede o pequeno David de conversar com ele de vez em quando, enquanto tenta manter afastado o inspetor Galvéz, que, a pretexto de investigar o desaparecido, tenta conquistar sua bela mãe, uma ruiva tentadora até mesmo grávida. Como contraponto à realidade estéril dos personagens, temos o irreal na forma de personagens como a fotografia de um piloto da RAF, ou do elixir para a cura de hemorroidas produzido com os tais rabos de lagartixa, ou mesmo os diálogos meio hostis entre David seu irmão ainda não nascido. Por sinal, o feto é o narrador da história.

Draco: As memórias aparecem em O Alienado como algo que pode libertar ou aprisionar, mas, em ambos os casos, há uma certa tristeza no ato de lembrar. Por que isso?

CSL: Memória é algo importante para mim. Minha formação em História talvez seja um reflexo disso, dessa busca por preservar ali, pelo menos na lembrança, alguma coisa do passado. Lembrar é algo que traz, essencialmente, uma melancolia subjacente, daquelas que você nem percebe que está sentindo: quando você ri com os amigos, ou com seu irmão, de eventos lá da infância, aqueles instantes em que a risada vai morrendo devagar, o sorriso vai se desfazendo e todo mundo pensa em como eram bons os velhos tempos. Há uma espécie de perda aí, de alguma forma. Rabos de Lagartixa é um romance que encontrei sem querer, e acho que trata mais ou menos dessa questão. Não se encontra muitas resenhas dele, infelizmente.

 

4 – Contos Reunidos, Moacyr Scliar

Contos Reunidos de Moacyr Scliar

CSL: Moacyr Scliar dispensa apresentações. Sua prosa é limpa, simples, e ao mesmo tempo poderosa, capaz de criar imagens que atingem você com a força de uma estilingada. Seus contos transitam entre o fantástico e o cotidiano, a herança judia e a brasilidade, o acadêmico e o popular, o carnaval e a Bíblia. Ele já escreveu sobre uma sociedade que se desenvolve no estômago de duas ursas. Sobre o Capitão Marvel da DC morando no sul do Brasil. Sobre a ameaça dos leões. Sobre contistas, essas figuras autofágicas e ególatras. Sobre o messias. Sobre exércitos de um homem só. E todas essas maravilhas (com exceção do exército) estão reunidas num enorme volume de capa dura intitulado, er, Contos Reunidos.

Draco: Você já disse por aí que detesta o termo “mainstream”.

CSL: Não gosto quando aplicado exclusivamente à literatura do cotidiano, aquela dita séria, que chafurda nos mesmos temas há quanto tempo, cinquenta, sessenta anos? Desse jeito, realmente detesto. Violência, família desestruturada, o choque entre o rural e o urbano, são temas que estão gastos da forma como ainda são trabalhados por aí. Mainstream, para mim, é tudo que está em evidência, no olho do furacão editorial, nas listas de mais vendidos, na academia. Crepúsculo é mainstream, nesse sentido. Fazendo um paralelo com a música, o Nirvana era uma banda underground, até Nevermind estourar, cair no gosto das rádios e virar febre mundial. Aí virou mainstream. Um livro pode ser gênero e mainstream. Tem mais a ver com aceitação que com tema. Mas é só a minha opinião.

Draco: No seu livro, tem a questão da vida urbana também… Isso o torna mainstream?

CSL: Depende de qual visão de mainstream você se refere. Segundo a minha própria percepção, vai ser mainstream quando eu for amplamente divulgado, lido, resenhado e ganhar muito dinheiro (ta-ta-tsss). Entrar no grand slam, entende? (Para falar igual ao Pelé). Se for pela temática, o cotidiano está simplesmente no livro porque Cosmo Kant é um trabalhador normal. Mas depois as coisas mudam, e não há mais nada de cotidiano em sua vida. Ele conhece os Metafilósofos, o Vazio, a Hidra, viaja por lugares estranhos. Acho que é por aí: a Fantasia e a Ficção Científica servem também para falar da violência, família desestruturada, o choque entre o rural e o urbano, liberdade, o papel do homem no mundo, medo da mudança, ânsia pela mudança, tudo isso. No fim, todas as histórias são histórias sobre a Humanidade. Aí está o Moacyr Scliar para me dar razão. Imortal da Academia, esteve no Fantasticon. Samba e diáspora, carnaval e pessach, gênero e mainstream. Um cara que sabia das coisas.

 

“Sabia que estava sendo manipulado, mas seguiria em frente. Em primeiro lugar, porque ele realmente conhecia a natureza do homem trancafiado na Torre dos Metafilósofos, tanto pelos perfis psicológicos disponibilizados pela Academia quanto pelas conversas que tivera com ela. Em segundo, porque não fazia ideia do escrever num bilhete suicida.

                                                                                 Trecho de O Alienado

 

5 – Man in the Box, Alice in Chains

Nothing Safe, coletânea da banda Alice in Chains: homem aprisionado

CSL: Essa rancorosa canção é uma das responsáveis por moldar o espírito da banda na forma como a conhecemos, segundo o guitarrista Jerry Cantrell (mais ou menos isso). Batida, marcada, guitarra pesada e vocal afiado, Man in the Box fala sobre alienação e introspecção. Layne Staley diz que estava chapado quando a escreveu, então ela pode ser sobre qualquer coisa. É considerada uma das melhores músicas da era grunge, apesar da influência do hard rock, do heavy metal e – por que não? – do glam. É uma espécie de irmã gêmea de Heart-Shaped Box, do Nirvana, e uma transcodificação de O Processo, do Kafka (olha ele aí de novo). Mas espera aí, talvez eu também esteja chapado.

Draco: Já que falou do Nirvana, há uma citação de uma “música favorita” no livro. Ela tem uma função na história, agindo como uma espécie de escudo contra as invasões mentais. Que música é essa, afinal?

CSL: Decidi não empurrar meu gosto musical pela garganta do Cosmo. Nem do leitor. Música sempre teve o poder, mais que qualquer outra forma de arte, de provocar sensações. É assim que ela aparece em O Alienado, como uma espécie de contrafeitiço usado para resistir às investidas dos Metafilósofos. Deixo a responsabilidade de decidir que música é essa nas mãos de quem pegar o livro.

Draco: Mas qual seria, se você tivesse de dizer qual é?

CSL: Sei lá. Escolher música é sempre complicado, porque depende do dia, do clima, do estado de espírito. Se eu escolhesse uma, daqui a ano pensaria: “Isso não tem nada a ver”. O Alienado foi quase todo escrito enquanto ouvia milhares de vezes as bandas de Seattle dos anos 90, tipo Nirvana, Mudhoney, Pearl Jam (minha favorita, caso ainda exista alguém que não saiba), Soundgarden e Alice in Chains. Desta última, aliás, vem uma das inspirações diretas para o Cosmo, com a capa da coletânea Nothing Safe, onde um homem aparece espremido numa espécie de vidro, de caixa, sei lá. Escolho por isso a canção Man in the Box como uma das maiores influências do livro, embora músicas como Rearview Mirror e Parachutes (Pearl Jam), Dive (Nirvana), Fell on Black Days (Soundgarden) e Touch Me I’m Sick também respinguem sobre algumas passagens. Dessa forma, o som do Alice In Chains é mais um embaixador de todos os meus discos favoritos pelo fato de me ajudar a definir o status de Cosmo Kant dentro de O Alienado. Mas, só para constar, toda a história da música ocidental foi só uma preparação para o Pearl Jam. E não ouse discordar, seu leigo.

Para ver O Alienado Na Mesa do Editor, clique aqui.

 

Cirilo S. Lemos nasceu em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, em 1982. Foi ajudante de marceneiro, de pedreiro, de sorveteiro, de marmorista, de astronauta. Fritou hambúrgueres, vendeu flores, criou peixes briguentos, estudou História. Desde então se dedica a escrever, dar aulas e preparar os filhos para a inevitável rebelião das máquinas. Gosta de sonhos horríveis, realidades previsíveis e fotos de família. Publicou em Imaginários v. 3 (2010) e Dieselpunk (2011), pode ser encontrado em @CiriloSL.

0 Comments

  1. hugo disse:

    Nunca ouvi falar de Kafka como um autor marxista, porque ele não era realista (e olha que o realismo de que falo comporta o fantástico). De qualquer forma, acho que ele se referia mais ao nascente nazismo do que ao capitalismo.

    • Cirilo S. Lemos disse:

      O eco de Marx que mencionei aí em cima dizia respeito às interpretações da obra de Kafka, Hugo, não ao Kafka em si. Até porque o período ainda é um cadinho anterior à Revolução Russa. Em A Metamorfose especificamente, estamos por volta de 1915, segundo ano da I Guerra Mundial, o nazismo ainda não tinha razão de ser: acredito, por isso, que Kafka falava realmente da modernidade acachapante da industrialização e todas as ideologias que ela trazia no bojo. Mas estou apenas me apropriando de interpretações que vi por aí e que julguei pertinentes. É mais uma questão de ponto de vista, mesmo. Obrigado pelo comentário.

  2. josé roberto disse:

    quando li, captei, pelo menos umas 3 dessas influências…srsr muito legal