Abdução de Hades, autor desconhecido, século 18.
Por Júlio Soares*
Lendo a saga iniciada em O Castelo das Águias, por Ana Lúcia Merege, não pude deixar de notar que a relação entre personagens principais (Anna de Bryke e Kieran de Scyllix) possui grande semelhança com a do casal de Deuses gregos Perséfone e Hades.
Perséfone, a Rainha do Submundo, era Koré (Donzela, em grego) – Deusa da Primavera, dos aromas e das flores, até ser raptada pelo tenebroso Hades, Deus do Submundo, irmão de Zeus, pai de Perséfone.
O momento em que Koré passa a ser Perséfone (Destruidora de Mundos, em grego) é quando ela come a romã, símbolo da fertilidade. Koré vira mulher, Rainha, uma Deusa completa, por fim. O primeiro livro da saga de Athelgard nos mostra Anna “comendo a romã” desde o princípio. Sair de sua tribo e ir para o Castelo das Águias mostra o amadurecimento da jovem para se tornar a mulher que está destinada a ser. Quando ela conhece Kieran, então, torna-se completa.
Não há, de fato, o rapto no livro de Ana Lúcia Merege, mas Kieran parece ter por Anna o mesmo fascínio que Hades nutre por Perséfone. Na Mitologia, o Deus foi flechado por Eros, Deus do Amor, filho de Afrodite. Desde então, ele passa a ter olhos apenas para ela, realizando todos os seus desejos. Dessa forma, Perséfone controla sutilmente o Deus, pois seu espírito é indomável. O mesmo ocorre em A Ilha dos Ossos, o segundo livro da saga – onde, por mais que Kieran não concorde com os atos de sua esposa, não há nada que ele possa fazer para mudar as suas decisões. Perséfone mudou o destino de vários mortais que foram para o Submundo, com esse poder de influência sobre Hades.
Outro ponto interessante é que, no mito, Perséfone fica seis meses no Submundo com seu marido, enquanto na terra ocorre o Inverno. Quando o tempo passa, ela torna-se novamente Koré, e o mundo volta a florescer, como se esperasse por sua chegada. A Deusa é, então, de certa forma, dual. Anna apresenta a mesma forma de ação que a divindade, pois, apesar de a chuva e o Inverno (além, é claro, dos deveres) a prenderem no Castelo das Águias, ela anseia pelo horizonte longínquo, pela Primavera. A torre onde ela vai viver com o mago e da qual não se pode pular é o arquétipo perfeito para o Submundo de Anna de Bryke.
Perséfone e Hades Plutão (com a cornucópia): gravura em fundo vermelho num kylix, ca. 440–430 a.C.
Hades e Kieran são tão sombrios quanto a noite, pois ambos foram iniciados em mistérios que envolvem morte e destruição, e conhecem, ou pelo menos apenas reconhecem o lado ruim do mundo – a única coisa realmente boa que enxergam é o amor por suas esposas. Nenhum dos dois é mau, porém ambos são capazes de cometer atrocidades – mas não o fazem por amor e respeito às suas donzelas, que os Iniciam na Luz.
Tiro a conclusão de que, como muitos livros, os escritos por Ana Lúcia Merege possuem um nível mais profundo e simbólico escondido em suas linhas. O Castelo das Águias foi, para mim, uma viagem de autoconhecimento e espiritualidade acima do comum. É claro que nem todos irão perceber as mensagens nas entrelinhas, mas isso não significa que o leitor apreciará uma ótima história. Ana Lúcia Merege é mestra da narrativa, e seu universo possui a mais alta complexidade, com personagens que nos encantam.
Tal como Perséfone e Hades encantaram o mundo.
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Júlio Soares é estudioso de Tarot e Mitologia, em especial a greco-romana. É também escritor e um ávido leitor de fantasia, atuando como um dos colunistas do blog literário “Escolhendo Livros”. http://www.
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