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Por que Atlântida

Há quem diga que a ficção especulativa, essa categoria na qual se incluem o terror, a fantasia e a ficção científica, começou com a Odisseia. Outros, mais conscientes de que a civilização europeia não foi a primeira, diriam que foi com a Epopeia de Gilgamesh. Eu discordo: os autores desses textos não pensavam que estavam fazendo especulação, sequer ficção. Para eles, assim como para os autores do Gênesis, aquilo era a verdade inspirada pelos deuses.

Os primeiros a conscientemente escreverem histórias fictícias para entretenimento e a formação moral foram os egípcios do chamado Médio Império, por volta de dois mil anos antes de Cristo, antes até dos escribas da Mesopotâmia comporem a Epopeia de Gilgamesh, mas eles escreviam o que hoje chamaríamos de ficção realista, como a História de Sinuhe, sobre um egípcio exilado que se torna chefe tribal em Canaã. Ou faziam ficção histórica ambientada no Antigo Império – por exemplo, na corte de Quéops durante a construção das pirâmides, quinhentos anos antes.

Até onde sei, o primeiro a fazer ficção especulativa propriamente dita, que sabia estar contando uma história fictícia ambientada não na realidade que conhecia, mas numa especulação, foi Platão – não especulação científica, pois a ciência propriamente dita ainda não existia, mas especulação filosófica. Seus livros estão cheios de mitos filosóficos, contos fantásticos conscientemente inventados para ilustrar ideias morais e metafísicas. Às vezes eram releituras de mitos tradicionais, como a história do anel de Giges e outras vezes parecem totalmente inventados por ele, como o mito da caverna e o do andrógino.

Mas aquele a que dedicou mais espaço foi o da Atlântida: um livro inteiro, o Crítias, além de uma breve introdução no livro anterior, o Timeu. Platão dizia que a história lhe tinha sido contado pelo tio Crítias, que a essa altura estava morto há décadas, e que ela tinha sido trazida do Egito por Sólon, amigo ou parente do seu pentavô, mais de duzentos anos antes. Mas não há menção dessa história em nenhum texto anterior, grego ou egípcio.

Tudo indica que a origem dessa história é fictícia – um recurso também usado em muitos romances do século dezoito e dezenove, cujos autores alegaram contar uma história verdadeira ouvida de testemunhas ou recolhida de documentos, para torná-la mais convincente. Nela, se conta de um grande império com sede numa ilha do Atlântico, que invadiu e conquistou grande parte da bacia do Mediterrâneo, mas foi vencido por Atenas, nove mil anos antes de Sólon. É uma fábula política e filosófica: Atlântida enorme e riquíssima, tinha degenerado pelo luxo e pelo excesso de ambição e assim foi derrotada por uma imaginária Atenas pré-histórica, sóbria e modesta à imagem e semelhança do Estado ideal que Platão já tinha descrito na República.

A inspiração provável foi a combinação de dois fatos reais: de um lado a vitória de Atenas nas guerras entre gregos e persas, cento e vinte anos antes, e o afundamento real, por causa de um grande terremoto, de uma importante cidade grega dedicada ao culto de Poseidon, que se chamava Hélike, treze anos antes – Platão tinha cinquenta e cinco anos na ocasião. O tamanho da cidade de Atlântida e de seus exércitos parece que reflete as descrições exageradas da Pérsia e Babilônia por Heródoto, mas as instituições parecem baseadas nas de cidades-estado gregas e fenícias. O porto lembra Cartago.

Para os contemporâneos cultos de Platão, o caráter fictício e artificial da história devia ser muito claro. Seu discípulo mais famoso, Aristóteles, brincava que Platão, sozinho, fez a Atlântida emergir das ondas e depois a afundou Mas nos séculos posteriores, à medida que essas referências eram esquecidas e Platão passou a ser mais cultuado do que compreendido, essa ficção começou a ser entendida ao pé da letra, como acontecia com os neoplatônicos do tempo dos romanos, principalmente aqueles que defendiam sua tradição dos cristãos com unhas e dentes.

Na Idade Média, quando a visão dos tempos antigos passou a ser dominada pelo Velho Testamento, o mito de Atlântida foi esquecido ou considerado como uma versão distorcida do Dilúvio. Mas na Idade Moderna, a descoberta das Américas e das civilizações dos astecas e incas sugeriu a alguns que ela podia ter existido no Novo Mundo. Francis Bacon, em 1627, escreveu outra ficção filosófica, a Nova Atlântida, que imaginava o descobrimento de uma civilização numa grande ilha para além do Peru, que teria sido fundada pelos atlantes originais, ancestrais dos incas e astecas e tinha veículos voadores, uma espécie de telefone, animais e plantas modificados e instituições científicas avançadas. Claro que ele sabia que fazia ficção filosófica, desta vez para mostrar a utilidade da ciência na melhora das condições de vida. Mas poderíamos mesmo chamá-la de ficção científica, pois ele, ao lado de Galileu, é considerado como um dos fundadores da ciência propriamente dita.

Mas tinha outros que levavam a Atlântida mais a sério. Numa época em que a visão bíblica das origens da humanidade começava a ser questionada, mas o rigor acadêmico e científico ainda não havia se imposto aos estudos sobre a Antiguidade, quase qualquer interpretação dos clássicos podia parecer aceitável. Vários eruditos construíram teorias sobre a Atlântida como origem da civilização ou da própria humanidade, tanto por razões nacionalistas, de maneira a fazer de sua pátria a própria Atlântida ou sua principal colônia, quanto para combater o mito judaico-cristão com outro mito – de sua própria autoria, mas associado ao nome prestigioso de Platão.

Esse estilo La sala da gioco di betway casino on line e super diverte e legale, infatti tutti i giochi casino sono sicuri e certificati da aams. de especulação se tornou menos respeitável no século XIX, quando a arqueologia e a crítica dos textos antigos tornaram-se mais científicas e a geologia começou a descrever com mais precisão o passado distante da Terra. A noção de uma grande ilha ou continente civilizado afundando no meio do Atlântico perto de dez mil anos antes de Cristo deixou de ser plausível.

Volta e meia algum historiador ou arqueólogo profissional ainda insiste em especular que Platão teria se inspirado em alguma tradição real, mas sugere uma Atlântida minimalista, mais modesta e mais recente. Entre as localizações propostas com certa seriedade estão a África do Norte, a África Ocidental (a civilização Iorubá, que Leo  Frobenius acreditava ter raízes muito antigas), os países nórdicos (de onde teriam vindo os povos do mar que invadiram o Egito), a costa do Mar Negro e, mais frequentemente, a civilização minoica de Creta, cuja arte inspirou a capa desse livro. Ainda neste ano de 2011, a National Geographic fez um programa especial sobre uma equipe de arqueólogos que teria localizado Atlântida no sul da Espanha, perto de onde deve ter se localizado a civilização de Tartessos.

A versão maximalista continuou, porém, a ter muito sucesso popular. Escritores, ocultistas, supostos videntes, arqueólogos amadores e simples farsantes fizeram fama, e às vezes fortuna, com especulações e visões sobre Atlântida e outros continentes perdidos. Entre esses, Madame Blavatsky, Ignatius Donnely, James Churchward, C. W. Leadbeater, Annie Besant e W. Scott-Elliot.

Eu tive acesso a muitas variantes dessas especulações desde a infância, porque minha avó materna era fascinada por espiritismo, ocultismo e teosofia. Ela me contava sobre essas coisas e me dava e estimulava a ler sobre Atlântida e temas relacionados, inclusive na revista Planeta e em obras como O Despertar dos Mágicos de Louis Pauwels e Jacques Bergier ou Eram os Deuses Astronautas de von Däniken. Também se tratava Click here to read your love horoscope cancer horoscope!The crab symbolizes this sign for good reason. dessas especulações com certa seriedade em alguns livros de vulgarização científica dos anos 50, como a Enciclopédia da Natureza de Fritz Kahn.

À medida que eu ganhei senso crítico e formação científica, deixei de levar esses textos a sério como especulação sobre It is not based on luck (as with roulette online gratis ), or on physical skill (as with table tennis), or on quick reactions (as with first-person shooter video games). a realidade, mas a ideia vaga e confusa dessa civilização perdida continuou a me fascinar como ficção. Mas ao mesmo tempo, me decepcionava.

Ora, a Atlântida está na raiz da ficção especulativa e da própria ficção científica. Sobre ela se escreveram milhares de livros ocultistas e pseudocientíficos, cada um deles acrescentando mais detalhes, pontos de vista e fantasias ao mito platônico. Mas mesmo existindo todo esse vasto material como fonte de inspiração, nunca se escreveu sobre ela um romance que me deixasse satisfeito. Atlântida é citada nos contos de Conan de Robert Howard como tendo existido antes da época hiboriana e no Senhor dos Anéis de Tolkien (como Númenor), mas não tem seu próprio épico.

Marion Zimmer Bradley usou Atlântida como cenário dos romances Teia de Luz e Teia de Trevas, mas não fez justiça à grandeza e ao esplendor exótico da civilização imaginada por Platão e pelos ocultistas: a história de Marion se passa num templo genérico junto a uma cidade genérica e vagamente greco-romana. Como também o são a maioria das Atlântidas hollywoodianas e dos quadrinhos, que parecem feitas com sobras de épicos romanos.

Além disso, na medida em que eu me interessava por literatura de fantasia, eu também me frustrava com a falta de variedade de cenários e culturas. Quase todas as histórias de alta fantasia são mais ou menos baseados no folclore, paisagem e cultura da Europa Medieval, principalmente as Ilhas Britânicas. Se chegam a mencionar terras mais tropicais ou mais exóticas, são regiões distantes, selvagens, de gente malvada. Por que aproveitar apenas a cultura de um período de uma pequena parte da Terra, Inches Consumer choice&#8230 Honestly, who requested that? Customers? Well, exactly what do they are fully aware?Condition LOTTERIES Wish To EAT Your KidsJohnson states consumers’ capability to access a complete selection of gaming options online via condition lottery sites would cripple the brick-and-mortar online casino business, and that's why online play must be restricted. quando há tantas civilizações antigas e mitologias a serem exploradas?

Também não me agradava There are several different payout schemes in modern slot machines . o idealismo, o conservadorismo e o tom maniqueísta de muitas dessas histórias, principalmente as de Tolkien e casino suas imitações. Não só a mim, é claro: foi a ideia de dar outro tom moral e político à alta fantasia que inspirou, por exemplo, Michael Moorcock, George R. R. Martin e China Miéville.

Mas eles, mesmo fazendo uma alta fantasia anarquista, liberal ou marxista, ele continuaram a fazê-la essencialmente britânica. Ora, eu não cresci num país de rainhas, lordes e sirs, não vi neve cair, não passeei em florestas temperadas, não aprendi sobre batalhas medievais nem li as histórias da Távola Redonda, os dramas de Shakespeare ou os romances de Charles Dickens na escola. Nada disso é um cenário natural para mim, é um mundo que conheci nos livros, mas não fala às minhas fantasias mais espontâneas. Quis um cenário que eu pudesse sentir na pele, onde eu pudesse estar à vontade, de bermudas e chinelo, por assim dizer.

Então, pensei, por que não juntar as duas coisas, meu fascínio por Atlântida e a vontade de criar uma fantasia diferente? Atlântida é um cenário fantástico que convida a pensar em outra coisa que não fantasia medieval, pois foi inventada muito antes da Idade Média e voltou a ser elaborada bem depois que ela acabou.

Para Platão, Atlântida era um país quente e exótico: estava na latitude do estreito de Gibraltar, o que sugere um clima como o do Algarve, sul da Espanha ou Marrocos, ali viviam elefantes e seu templo, nas palavras do filósofo, era de um esplendor bárbaro. Na concepção dos ocultistas da Idade Moderna, ficou ainda mais exótica, pois associaram a Atlântida principalmente às civilizações pré-colombianas das Américas e a localizaram ainda mais ao sul. Além disso, a maioria deles atribuiu à Atlântida o domínio de uma magia muito poderosa, uma tecnologia avançada ou ambas as coisas, talvez por influência da Nova Atlântida de Francis Bacon.

Especialmente na rica e complexa versão dos teósofos, que descrevem máquinas voadoras movidas a energia psíquica, criação de novas espécies vegetais e animais, controle do clima, explosivos e gás venenoso. Em sua versão, a capital da Atlântida ficava quase na linha do Equador e o continente foi a origem da maioria das supostas raças não-arianas: os tlavatli (relacionados aos negros africanos), os toltecas (suposta raça dominante da Atlântida, relacionada aos indígenas das Américas), os turanianos (relacionados aos povos da Ásia Central) e os semitas (povos da mesopotâmia). Também dali teriam saído os ancestrais dos supostos arianos para fundar uma nova civilização em Xambala, em algum lugar entre o Tibete e a Mongólia. É possível associar praticamente qualquer cultura e mitologia do mundo à Atlântida.

Além disso, Atlântida é um mito bastante familiar no Brasil e que tem conexões com a nossa cultura popular. Além da popularidade da teosofia e do ocultismo por aqui, vários autores imaginaram colônias da Atlântida em solo brasileiro, ainda sobrevivendo em algum lugar escondido na Amazônia ou em um mundo perdido subterrâneo, ideia provavelmente inspirada pela busca do coronel Percy Fawcett, que desapareceu no Mato Grosso em nos anos vinte, ao buscar uma suposta cidade perdida fundada por refugiados de Atlântida.

Isso inclui A Cidade Perdida e A Serpente de Bronze de Jerônymo Monteiro, o pai da ficção científica brasileira e Amor e Morte na Atlântida, de Sylvio Pereira. Meio disfarçada em uma Creta supercientífica, também aparece na República 3000 de Menotti Del Picchia. Roselis von Sass, uma austríaca que vive no Brasil e pertence à chamada “Ordem do Graal na Terra”, escreveu livros supostamente visionários sobre atlantes refugiados no Brasil. E há Akakor, suposta cidade subterrânea da Amazônia inventada por um alemão que vive lá, que virou cenário de Indiana Jones.

Então, foi isso que eu me propus a fazer: uma história de alta fantasia baseada em um imaginário que não se limitasse ao do romantismo europeu, mas aproveitasse contribuições de outras civilizações. Que ao mesmo tempo tivesse ressonância em lendas e tradições autênticas e mais ou menos conhecidas dos leitores brasileiros. Que tivesse um caráter libertário e progressista. E que se passasse na Atlântida dos mais ousados voos de imaginação de Platão e dos ocultistas e no auge de sua civilização, não um resto decadente, nem uma versão minimalista ou diluída.

Minha Atlântida tem como base a combinação da geografia e do urbanismo de Platão com os climas, raças e culturas imaginadas pelos teósofos – ainda que com outros nomes, para evitar a identificação com culturas históricas reais que frequentemente foram muito diferentes do que os teósofos imaginaram. A isso eu acrescentei alguns elementos de outras fontes, como o uso de cristais como fontes de energia e a exploração de híbridos semi-humanos, que vêm das concepções do médium estadunidense Edgar Cayce e sua influência sobre as Atlântidas hollywoodianas e a presença, embora secundária, de brancos louros, que fazem parte de outras concepções do continente perdido.

O resultado é um país grande e basicamente tropical ou subtropical com muita mistura de raças, cuja maior cidade é enorme e abriga muitas culturas e colônias de imigrantes. Inclui elementos astecas, iorubás, chineses, cretenses, indianos e babilônicos, entre outros. Tem uma cultura pluralista, pagã, sensual e um pouco matriarcal. Não é o Brasil, não é São Paulo, mas é o tipo de geleia geral onde brasileiros podem encontrar muito de familiar e provavelmente se sentirão menos estrangeiros do que na Terra Média ou na Era Hiboriana. Não é particularmente o folclore brasileiro, mas é a mistura de muitas variantes de uma mitologia universal que também não é estranha à nossa cultura. É isso que eu quis oferecer uma história que sonha com esperança, liberdade e mudança, num cenário que é familiar e universal ao mesmo tempo.

 

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