Com uma reputação dividida entre “homem mais perverso do mundo” e “profeta do Novo Aeon”, não é possível dizer que a obra que Crowley nos deixa seja lá muito acessível. Mas não se preocupe. Se você quiser adentrar esse Universo psicodélico e surpreendente que nos é apresentado por esse homem misterioso, eis aqui um guia com 10 obras (em português!), entre livros e quadrinhos, que vão te auxiliar na caminhada.
Este não é o melhor livro do Sr. Duquette, mesmo considerando aqueles que estão publicados em nosso idioma. Mas traz a vantagem de ser inteiramente dedicado ao trabalho do mago inglês. Boa parte da obra consiste em reproduzir na íntegra os livros de instruções e rituais escritos por Crowley, mas o que vale a pena mesmo são os comentários de DuQuette. Sua perspectiva demonstra a segurança de quem entende mesmo do assunto, e sua didática é agradável, como a de quem nasceu para ser professor.
“Magia Enochiana” é o nome de uma tradição de Magia criada a partir da canalização de informações de inteligências “não terrenas” por parte do mago elisabetano John Dee e seu parceiro Edward Kelly. Conta-se que eles teriam entrado em contato com Anjos, os mesmos que se comunicaram com o personagem bíblico Enoch (daí o nome da tradição). O trabalho dos dois chegou às mãos de McGregor Mathers, da Ordem Golden Dawn e, através daí, a Aleister Crowley, que realizou experimentos e performou ritos baseados da Magia Enochiana e consolidou a tradição como uma das principais ferramentas do Mago moderno. Este livro é uma introdução sucinta e objetiva a essa perspectiva e suas técnicas, na versão construída por Crowley.
Apresentando um resumo bastante sintético da teoria, este é um livro para quem quer partir logo para a prática, e apresenta os principais rituais de forma simples e direta, auxiliando bastante na compreensão. Ainda traz a vantagem de ter sido escrito por um autor brasileiro, o que é interessante pois é uma visão de quem estudou e praticou esses ritos aqui em nossa cultura, e apresenta um texto que não precisou ser traduzido (traduttore tradittore, como dizem). É o complemento perfeito ao livro do DuQuette, que está no número 1 desta lista.
Existe um punhado de biografias do Crowley, inclusive algumas escritas por ele mesmo. De forma bastante objetiva e imparcial, o brasileiro Johann Heyss realiza aquilo que só pode ser considerado um verdadeiro trabalho jornalístico, ao pesquisar e escrever essa obra que, até onde me consta, foi a primeira biografia do Crowley a ser publicada em língua portuguesa. Desfazendo alguns “mitos” acerca da persona do mago inglês – ao mesmo tempo em que confirma outros – este livro acaba constando na estante de todo thelemita brasileiro.
Lançado pela primeira vez no Brasil apenas recentemente, este livro é uma preciosidade. Sabe as biografias das quais eu falei no item anterior? Pois é, esta daqui acaba sendo uma das principais delas. Isso porque foi escrita por Israel Regardie. Se você tem qualquer interesse em Magia, esse nome dispensa introduções. Não sendo o seu caso, basta dizer que ele foi secretário pessoal de Crowley, convivendo e tendo-o como Mestre durante vários anos, inclusive se tornando também um grande Mago e escrevendo importantes livros de ocultismo. Até que um dia se desentenderam (normal!). Ainda assim, Regardie se dispôs a buscar o máximo de imparcialidade para apresentar a vida de seu mentor. Este livro é claramente uma das principais fontes de pesquisa para a obra de que falamos anteriormente.
Kenneth Grant é uma personalidade que talvez mereça tanta atenção quanto o próprio Crowley (que talvez a receba por ter sido o pioneiro e, quiçá, mais polêmico). Assim como Regardie, também foi discípulo e secretário pessoal do Mestre Therion. Em sua vasta obra, destacam-se aquelas que ficaram conhecidas como as Trilogias Tiphonianas: trata-se de uma série de 9 livros (três trilogias, portanto) que abordam em profundidade sua visão da Magia e a forma como ele compreende a importância de Crowley para o Ocultismo. Este livro é o segundo volume da primeira trilogia; o primeiro se chama “O Renascer da Magia” e também foi lançado no Brasil pela Editora Penumbra, que desde o começo anuncia intenções de publicar toda a série. O único porém para quem está chegando agora é que a leitura de Kenneth Grant não é fácil: extremamente erudito e com uma visão única da Magia, ele faz ligações entre assuntos diversos com muita naturalidade, mas exigindo muito esforço do leitor para acompanhar seu poderoso raciocínio, podendo afastar os iniciantes.
Da mesma forma que “O Mundo Enochiano…” (livro sugerido no item 2) faz uma introdução à visão do Crowley sobre Magia Enochiana, este aqui o faz acerca do mais temido de todos os sistemas de Magia. Qualquer que seja sua aproximação com esse universo, é muito provável que você já tenha ouvido histórias de pessoas que já foram assombradas ou que enlouqueceram porque mexeram com “os demônios da Goetia”. Não é à toa que a Editora Draco tenha lançado uma coletânea de histórias de terror exclusivamente sobre esse tema. Pois bem, neste livro, com sua habilidade de sempre, DuQuette e Hyatt apresentam ao leitor uma visão bastante acessível para compreensão e prática desse sistema e ensinam que riscos existem, claro, mas não é nada que não possa ser superado com a devida preparação.
Já na última etapa de sua vida, Crowley aceitou uma aluna chamada Frieda Harris, uma talentosa pintora surrealista. Ele a ensinaria Magia, com a condição de que ela usasse todos os seus ensinamentos para elaborar um Tarot, que viria a ser conhecido como “O Livro de Thoth” ou, simplesmente, o Tarô de Crowley. Aqui ele é apresentado de forma concisa e objetiva, na forma de um manual que expõe a simbologia e os possíveis significados de cada Arcano, segundo a leitura de Crowley. Não é nada muito profundo, mas é um excelente guia de referência para estudo. Vale a pena também procurar por outros livros de Hajo Banzhaf sobre Tarô, mesmo que não seja especificamente o de Crowley.
Vamos falar de quadrinhos? Esta obra aqui é um trabalho primoroso que se propõe a ser uma biografia de Crowley em quadrinhos. Passando por momentos importantes de sua vida narrados pelo próprio, a obra acaba subvertendo a ordem cronológica ao promover saltos entre o “passado” narrado e o “presente”, desde onde se narra, com Crowley já bem velho. Nós o acompanhamos inclusive até o momento de sua morte. Um destaque especial pode ser dado a um apêndice intitulado “Exegesis”, no qual o roteirista comenta página por página a construção da obra, desde os lugares onde pesquisou, até suas impressões pessoais acerca dos fatos. Recheada de psicodelia, apesar das páginas em preto e branco, essa HQ também é presença obrigatória na prateleira dos amantes de Thelema.
Confesso que, no meu coração, eu deixei o melhor pro final. Promethea é uma HQ incrível, na qual o (minha opinião) melhor escritor de quadrinhos de todos os tempos, que também acontece de ser declaradamente um mago, nos presenteia com seu próprio “Curso de Magia” na forma de uma história que mistura ocultismo, ficção científica e fantasia. Moore cria uma espécie de super-heroína que, para salvar sua realidade, precisa aprender Magia (e nós aprendemos junto). Qualquer iniciado te dirá que a Magia que Moore apresenta em Promethea é tradição da Golden Dawn, com forte influência das interpretações de Crowley. Prova disso é o fato de que Crowley aparece, como personagem, em vários momentos chave da HQ. Óbvio que Moore também acrescenta suas próprias interpretações, o que torna Promethea ainda mais incrível. Lá fora, a série foi compilada primeiramente em 5 encadernados comuns e, posteriormente, 3 edições de luxo. No Brasil, foi lançada pela Panini em “Edição Definitiva” como 2 encadernados de luxo.
BONUS TRACK: Você reparou que eu não falei de nenhum livro do próprio Crowley? Em parte, é porque, pra isso, eu teria que fazer uma lista em separado; mas também porque não são muitos os livros de Crowley que podem ser encontrados em português. Porém, se você realmente se interessou pelo trabalho da Grande Besta 666, existem algumas traduções da compilação conhecida como “Os Livros Sagrados de Thelema”, uma delas inclusive lançada recentemente pela Editora Madras. Depois de já ter se introduzido em Thelema, vale a pena buscar aprofundamento.
A Lei é o Amor, Amor sob Vontade.
Por Felipe Cazelli