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Alexey Dodsworth fala sobre o seu livro O Esplendor
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[TOP 5] Alexey Dodsworth

Alexey Dodsworth – @AlexeyDodsworth – é mestre em filosofia. Atualmente, cursa doutorado em filosofia na USP, tendo como foco de estudo o transumanismo e as implicações éticas da exploração espacial. Já atuou como consultor da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura e foi assessor especial no Ministério da Educação em 2015. Dedica-se em paralelo à ficção científica e a palestras de divulgação científica e filosófica, especialmente sobre astronomia.
alexeydodsworth.com

1 – “O cair da noite”, Isaac Asimov

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Apesar de este não ser um dos livros mais famosos de Asimov no Brasil, é considerado uma das obras primas do autor. Foi escrito originalmente como uma história curta (Nightfall) em 1941. Chegou a ser eleita como a melhor história curta de ficção científica em 1965, pela Science Fiction Writers in America. Nos anos 1990, Asimov se juntou a Robert Silverberg e escreveram uma versão estendida de “O Cair da Noite”.

“O Esplendor” tem no drama cosmológico de “O Cair da Noite” sua principal fonte de inspiração. Em ambos os romances, a história se passa em um planeta cujos sóis múltiplos impõem um dia eterno. O próprio Asimov se inspirou na citação de um poeta e teólogo do século XIX, Ralph Waldo Emerson: “se as estrelas aparecessem apenas por uma noite a cada mil anos, os homens acreditariam, adorariam e preservariam por muitas gerações as lembranças da cidade de Deus”. O editor de ficção científica John Campbell discordou, e disse: “Eu acho que as pessoas ficariam loucas”. E é isso mesmo. Em minha pesquisa de mestrado em epistemologia, ética e cosmologia, me deparei com casos de pessoas que cometeram suicídio na Europa do século XVI, após descobrirem que o céu não era o lugar das coisas imutáveis e perfeitas. Quando tudo aquilo em que sempre acreditamos se revela uma farsa, há quem enlouqueça. Tanto em “O Cair da Noite” quanto em “O Esplendor”, há a crença de que aquele mundo é o único em todo o universo. Em ambos os casos, o engano se dá porque o dia eterno não permite a visão das estrelas.

As semelhanças cessam aí. O planeta do dia eterno de Asimov não tem nenhuma grande diferença em relação à Terra. A sociedade é como a nossa: há aviões, todo mundo dorme, fuma, bebe, há espaço privado e, na prática, as pessoas podem conhecer a escuridão se fecharem as cortinas, por exemplo. É praticamente uma Terra sem anoitecer. Eu quis radicalizar, ao criar o mundo alienígena de “O Esplendor”. Em Aphriké, ninguém dorme nunca, todos são telepatas e, portanto, não existe privacidade nem como fato e nem como conceito. Todos os lugares têm paredes transparentes. Tudo, sem exceção, está iluminado, dos corpos aos pensamentos. A ideia de “escuridão” é inconcebível. Mas eu quis homenagear Asimov, de modo que um dos personagens (Itzak) é uma referência ao nome do escritor: Isaac. Do mesmo modo, as ruínas de Kalgash do planeta Aphriké são uma homenagem à civilização descrita em “O Cair da Noite”.

2 – As Distopias de Orwell e Zamyatin

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As cidades ocidentais do planeta Aphriké, em “O Esplendor”, são – a priori – uma utopia da vida comunitária. Ao nosso olhar humano, entretanto, são uma distopia. Eu queria que as pessoas que lessem o livro sentissem algo como o cerceamento da liberdade individual descrito por Orwell em “1984”, e pelo russo Zamyatin, em “We” (livro que serviu de inspiração para o próprio Orwell).

Em “1984”, a sociedade autoritária chega ao absurdo de criar uma thinkpol (polícia do pensamento) que, por intermédio de recursos avançados de vigilância, monitora o que as pessoas dizem ou pensam. Em “O Esplendor”, também temos a Polícia do Pensamento, só que vitaminada por poderes psíquicos. As cidades são monitoradas por uma tropa de telepatas treinados a partir da mais rígida disciplina, cuja finalidade é garantir que os cidadãos tenham apenas bons pensamentos e sentimentos. Quem ultrapassar os limites é condenado a passar pela Purificação (um nome bonito para “lavagem cerebral”).

A sociedade distópica idealizada por Zamyatin é composta por indivíduos sem nomes próprios, identificados apenas por números. De modo análogo, em “O Esplendor” as pessoas não possuem nomes individualizados. São reconhecidas por títulos numerados que dizem respeito às funções que elas exercem na sociedade. Outro ponto que me serviu de inspiração, na obra de Zamyatin: na sociedade por ele descrita, todas as paixões e instintos foram banidos. Do mesmo modo, em “O Esplendor”, emoções e paixões são consideradas “baixas vibrações” que devem ser controladas a todo custo pelos habitantes da Cidade Iridescente.

Vale dizer que há uma justificativa para o excessivo controle da Polícia, em “O Esplendor”: como estamos falando de uma sociedade telepática, o que um pensa pode contaminar o outro. Se uma pessoa sente ódio, por exemplo, este ódio há de se alastrar pela malha telepática da cidade como um câncer. Assim sendo, no mundo de “O Esplendor”, faz sentido que as pessoas precisem controlar o que pensam. O rígido controle mental dos aphrikeianos ocidentais não é um autoritarismo sem sentido, ele faz sentido naquele contexto específico e as pessoas estão, em geral, satisfeitas.

3 – elementos das culturas africana e budista

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O nome “Aphriké” é uma clara referência ao continente africano e os sóis deste mundo têm o mesmo nome de alguns orixás: Oya, Sango, Osum, Osala, Omulu e Yewa. Cada cidadão ocidental, ao atingir a maioridade, precisa escolher um grupo profissional, um “Ilê” (palavra ioruba que significa “casa”). Os nomes das maiorias dos ilês se referem a determinadas profissões em língua ioruba. “Orin”, por exemplo, significa “som” e é o nome dado às cantoras. “Agbe” é “agricultor”. Todos os habitantes de Aphriké são negros e, se o fiz, não foi apenas porque acho os negros sub-representados na literatura fantástica (e acho isso mesmo). O lance faz sentido biológico, sobretudo: como deveria ser a pele dos habitantes de um planeta iluminado por seis sóis?

Da cultura budista, eu extraí a ideia dos “venenos da mente”. Sou fascinado com isso desde que tomei algumas aulas com o lama Chagdud Tulku Rimpoche, nos anos 1990. Seis são os venenos da mente para o Budismo e, no ocidente do planeta Aphriké, eles são mais do que apenas pensamentos que devemos evitar. Eles são crimes, uma vez que estimulá-los pode contaminar a malha psíquica coletiva das cidades.

4 – As aulas de astronomia da universidade de São Paulo e as summer schools de astrobiologia organizadas pela Nasa e pela Universidad Menendez Pelayo, na Espanha

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“O Esplendor” praticamente surgiu inteirinho enquanto eu cursava a disciplina “A Vida no Contexto Cósmico”, matéria optativa do IAG-USP. Eu estava cursando astronomia, e meu orientador de então – Amâncio Friaça – foi o responsável pela disciplina de astrobiologia naquele semestre. As aulas de Amâncio são uma viagem que congrega física, química, literatura, e ele evocou bastante a ficção científica como um tema importante na disciplina. O mesmo digo sobre os cursos de verão de astrobiologia que fiz, na Espanha. Os cursos congregavam estudantes das mais variadas áreas, provenientes de todos os cantos do mundo. Costumávamos brincar, durante o evento, constatando as tribos: a tribo dos engenheiros, dos matemáticos, dos filósofos, dos químicos. Surgiu, então, a ideia de criar um mundo em que as pessoas são definidas não por nomes, mas por agrupamentos profissionais. E, evidentemente, aproveitei ao máximo os conhecimentos distintos fornecidos por meus colegas de outras áreas.

Cursar astronomia, mesmo sem ter concluído o curso, me deu elementos informativos sensacionais para escrever dezenas de obras de ficção científica – e eu pretendo publicar pelo menos uma a cada dois anos.

5 – O estudo da filosofia

livros

Quando eu cursava filosofia, ainda na graduação, três coisas me impactaram muito: o mito da caverna, de Platão; a ideia de um deus enganador, de Descartes; e o poder da cosmologia aristotélica, que dominou o Ocidente por séculos.

“O Esplendor” é a história de um deus que cria um mundo, e o nome deste deus é R’av. Mas ele não é o Deus que conhecemos das teologias monoteístas. Ele é extremamente poderoso, dotado de consciência cósmica, adorado como uma entidade superior… mas comete erros. Ele é o que Carl Sagan costumava dizer, brincando, em seus seminários: “se existir um deus, ele é meio atrapalhado e não sabe direito o que faz”. A ideia de Descartes era a de demonstrar que a palavra “enganador” não combina com a ideia de completa perfectibilidade divina. Mas eu pensei, quando li as “Meditações Metafísicas”: tudo bem, se Deus existir ele é perfeito e não engana. Mas e se existirem entidades extremamente poderosas, que são “como” deuses, só que capazes de errar? Surgiu, então, a figura de R’av, Menino-Deus Semeador de Mundos. Ele pega um planeta qualquer e o terraforma, isto é, o converte num planeta similar ao nosso. Faz isso sem saber direito porque age assim, e nem ele mesmo tem certeza sobre sua própria natureza. Apenas sabe que tem o poder, e precisa usá-lo.

O mito da caverna de Platão foi outro elemento fundamental para a criação de “O Esplendor”. O mito, em síntese, diz o seguinte: pessoas estão numa caverna e, para elas, a verdade se revela pelas sombras projetadas na parede. Mas elas não sabem que tudo o que veem são sombras. Um dia, alguém tem coragem de sair da caverna e se depara com a verdadeira luz: a do sol. Descobre, então, que estava apegada a uma fantasia. Lembro de ter discutido bastante com um de meus professores, na época, a partir do seguinte argumento: e como saber se, ao sair da caverna, estamos mesmo vendo a realidade? E se apenas estivermos dentro de outra fantasia ainda mais sofisticada? Mais: e se houvesse um mundo eternamente iluminado, gerando a fantasia de ser o único no universo? Afinal, se as estrelas não podem ser vistas, este mundo acreditará ser o único que existe. Logo, em “O Esplendor”, faço o oposto da caverna de Platão: quem esconde o jogo é a luz. A verdade se revela na escuridão.

Note que as concepções da natureza em Aphriké já foram as nossas. Na cosmologia aristotélica, genial para a época, nosso mundo é eterno, centro do universo. Acreditávamos que a esfera celeste girava em torno de nós e, ao invés de conhecermos a lei da gravidade, falava-se em “lugar natural dos quatro elementos”, crença que também abordo em “O Esplendor”. Se o leitor mantiver a cabeça aberta, verá que tudo o que nos parece errado no mundo de “O Esplendor”, na verdade faz todo o sentido dentro daquela sociedade. Eles confiam nos sentidos, encontram explicações razoáveis para os fenômenos naturais e rechaçam tudo o que não pode ser provado. Mas a própria física lida com coisas que não são percebidas diretamente pelos sentidos. Então, se o positivismo de Aphriké nos parece ingênuo, o que dizer do nosso próprio?

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