Diego Guerra é formado em Produção Editorial pela Anhembi Morumbi e em roteiro pela Academia Internacional de Cinema. Trabalha como designer e é fã de literatura fantástica e romances históricos. Passou os últimos quinze anos escondendo suas obras nas gavetas, mas resolveu que já estava pronto para contar suas aventuras. Autor da série online Chamas do Império, que foi selecionada para o catálogo da Editora Draco.
Diego Guerra: Bem, eu podia dizer todos, mas seria teoricamente uma mentira. Se eu dissesse nenhum, também estaria mentindo. A verdade é que todos os meus personagens têm algo de alguém que eu conheço e algo de alguém que eu desconheço. Enquanto eu escrevia o Teatro da Ira, eu dei aos personagens algumas qualidades e defeitos que eu reconheço em algumas pessoas. Alguns deles são representações de pessoas públicas que eu levei para o livro tentando defender alguma ideia, outros roubaram chistes e trejeitos de pessoas que eu conheci ao longo dos anos. É claro que também tem muito de mim em cada personagem, mas nenhum deles pode ser visto como uma pessoa completamente transposta para as páginas. Cada um é uma mistura de personagens reais, imaginários, históricos e desconhecidos.
DG: Essa pergunta é tão sacana quanto perguntar para uma mãe qual seu filho favorito. Ela vai sorrir, balançar a cabeça e dizer que ama todos por igual. É mentira, todo mundo sabe, mas as pessoas educadamente aceitam a resposta. Bem, eu gosto de todos os personagens por um motivo ou por outro. Minha lealdade foi mudando ao decorrer da história, a medida em que eu me apaixonava pelos personagens, mas se você me colocar numa roda da tortura e me obrigar a confessar, eu diria que o meu personagem favorito neste livro foi o Magistrado Marhos Graham, mas eu amo a todos por igual. Bem, talvez menos Gras Bardolph, ele é simplesmente desprezível até o último fio de cabelo.
DG: Existem muitas mudanças nos personagens. Acho que todos, exceto talvez Graham, tenham mudado de uma forma significativa até o fim do livro, mas eu sinto que Thalla tenha sido a personagem cujas mudanças tenham trazido mais impacto para a história como um todo. Tenho um carinho especial por ela, mesmo sabendo que ela não é a favorita de muitas pessoas. De fato, muita gente a odeia do começo ao fim, o que me faz gostar dela ainda mais. Thalla é complexa e mal compreendida, a forma como ela lida com o mundo, com as pessoas, com o próprio corpo é muito próprio, fruto de uma criação conturbada, em um lugar cujo a cultura tem algo de alienígena. Infelizmente o livro não é sobre ela e essa visão de mundo, então vamos ter que esperar um pouco para conhecê-la melhor e entender porquê ela é dessa forma.
DG: O Teatro da Ira teve talvez uns dez rascunhos. Algumas histórias acontecem de forma mais fluída, mas nunca espero ver um livro terminado quando coloco o ponto final. As pessoas costumam achar que escrever é um ato organizado e linear, mas a verdade é que você lida com uma boa dose de caos, ansiedade e esquizofrenia enquanto está escrevendo. E, às vezes, a história faz tanto sentido em sua cabeça, que você deixa de mostrar coisas que para você são óbvias, então você precisa voltar e corrigir isso. Na maior parte do tempo meus personagens são um exército disciplinado seguindo ordens, mas vez por outra eles se rebelam e fazem exatamente o que querem e então não tem jeito, você tem que seguir o trajeto deles por um tempo para ver onde vai terminar. Às vezes é um beco sem saída, e você precisa cortá-la e começar de novo, outras vezes é uma história incrível que valeria outro livro e você também precisa cortá-la e começar de novo. É importante conduzir o rio, sem represar o fluxo e ai é que entram os diversos rascunhos. Eu costumo dizer que um rascunho é uma linha temporal que não aconteceu. Rascunhos são realidades potenciais. O livro é a realidade conhecida.
DG: Várias cenas deram trabalho. A cena da aldeia da pequena rainha foi particularmente sofrida para mim, mas apesar de tê-la escrito de respiração suspensa ela acabou não mudando muito desde seu primeiro rascunho. A cena da Ponte do Véu já rolou com maior dificuldade, pois era espacialmente complexa, com muitos personagens fazendo muitas coisas ao mesmo tempo e precisava funcionar como um relógio atômico. Todas as cenas de Khirk e Krulgar foram um desafio, principalmente pelas limitações de Khirk. Foi um desafio lidar com um personagem mudo que está em praticamente todas as cenas importantes e estabelecer a relação de cumplicidade entre os dois não foi a parte mais tranquila do livro. Acho que uma das poucas cenas que eu escrevi sorrindo foi o inicio da apresentação de Ethron para o Rei Thuron, mas talvez por uma relação de empatia com o que acontecia, pois era mesmo para Ethron parecer divertido. Gibs e Riss foram outros personagens que costumavam aparecer para me divertir e talvez por isso eles tenham ganhado outros fãs.
DG: Faço muitas pesquisas histórias e invento muita coisa. Sou fã de histórias de guerra e uso essas histórias para basear o universo. Escrever sobre um Império exige um bocado de conhecimento sobre como as coisas devem funcionar e eu me agarrei à obra de Edward Gibbon como um náufrago ao último pedaço de madeira, tentando assimilar toda a grandiosidade do Império Romano. Outras questões políticas foram trazidas de um cenário mais atual, como a Guerra de Secessão americana e a luta dos abolicionistas contra a escravidão. Pesquisar é importante, mas é preciso criatividade para costurar tudo isso junto e é ai que entra o tempero da sopa. Não tenho nenhuma necessidade do livro ter toda essa precisão histórica. Não é um livro de História Mundial, nem uma biografia famosa. Um leitor me questionou uma vez sobre a aparente independência das mulheres no Império – no norte do Império, as mulheres estão em pé de igualdade com os homens, inclusive nas questões sexuais –, na cabeça dele as mulheres deviam ser sexualmente reprimidas, como na Idade Média, ou seria um erro histórico. Pois bem… história de quem? Um universo complexo tem sua própria história e cabe ao autor decidir o que aconteceu e não aconteceu. Exigir precisão em um universo com monstros gigantes e titereiros ilusionistas sempre me pareceu bastante bizarro. É preciso juntar a pesquisa histórica com o repertório imaginado para criar um universo factível. Se algo precisar ser sacrificado para o andamento da história, fatalmente será essa tal acuracidade.
DG: Bem, eu teria dado mais atenção para Evhin e Thalla e para a relação que existe entre as duas. Acho que nada me frustrou mais nessa história do que não apresentá-las em toda sua complexidade. Sinto que eu falhei com elas e com os leitores ao escrever sobre quem elas são e sobre o quão profundo é o seu relacionamento. A questão é que a relação delas não tinha muito a acrescentar ao Teatro da Ira como livro e eu escolhi descartá-la para não terminar com dois volumes ao invés de um, mesmo assim me dói olhar para Thalla e, principalmente para Evhin, sabendo tudo o que eu deixei de dizer. Isso já me fez prometer uma história toda dedicada ao passado de Evhin, como forma de compensar o que não foi dito e Thalla, ainda há muita coisa a dizer sobre Thalla em breve.
DG: 24 horas todos os dias, sete dias por semana. Um escritor não tira folga. Quando ele não está escrevendo, está imerso em pesquisa. Você toma um café ouvindo a conversa da mesa do lado, você vai no cinema tentando entender como o roteiro te transmitiu aquela sensação, você se senta no parque e se descreve a forma como as árvores retorcem os galhos. Quando você dorme, seu cérebro está processando todas as informações para criar uma coisa nova e original. Um escritor precisa estar trabalhando o tempo inteiro e quando tiver uma “folga” tem que escrever. Costumo separar 2 horas por dia para escrever, mas sempre encontro alguns minutos entre uma tarefa e outra (sou designer em uma agência de publicidade) para escrever ou afinar um parágrafo. Se eu não o coloco no papel, ele fica me atormentando o resto do dia, então é melhor exorcizá-lo o quanto antes.
DG: Toda vez que alguém te disser que você não pode fazer alguma coisa se quiser escrever uma história. Sente o rabo diante da folha e faça EXATAMENTE aquilo. As pessoas costumam limitar as outras dentro do seu próprio universo. O que elas estão dizendo na verdade é: “eu não consigo fazer desse jeito, então não é possível ser feito, então ninguém deve fazer.” Se você der ouvidos a tudo o que os outros dizem que você não pode fazer, você não vai fazer nada. Então seja um pouco como Jhomm Krulgar, não aceite ordens e se alguém insistir que você está errado: rosne.
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