O Zé Wellington – @zewellington – papeou com a gente sobre suas HQs, novos projetos e inspirações. Falou também sobre western e steampunk, claro!
Deguste essa conversa sem moderação!
Seu primeiro trabalho, Quem Matou João Ninguém?, apresentava personagens em uma favela brasileira vivendo uma homenagem aos quadrinhos de super-herói. Em Steampunk Ladies, a ação muda para o final do século XIX, num faroeste com nuances de ficção científica. Por que essa mudança tão brusca de cenário? Existem similaridades entre as duas narrativas?
Com relação às coisas que consumo (quadrinhos, literatura, cinema etc), eu me considero uma pessoa eclética. E eu também sou o tipo de roteirista que quer tentar o máximo de coisas diferentes. Em Quem Matou João Ninguém?, o personagem Sandro é fã dos westerns do Clint Eastwood. É um detalhe pequeno nessa história, mal influencia na narrativa, mas eu me senti na obrigação de assistir ao máximo possível de filmes do tipo para construir a personalidade do personagem. Foi nesse processo que assisti, quase em maratona, o melhor da filmografia do Sergio Leone. Tive quase instantaneamente vontade de escrever um faroeste (ou algo parecido).
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Qual é a sua relação com o western?
Meu pai sempre foi fã dos filmes de cowboy, era praticamente o único tipo de filme que ele assistia. Assisti vários quando criança. Há um charme intrigante na figura do pistoleiro, do caçador de recompensas, do mercenário, do fora da lei. Por isso achei que poderia ser interessante desconstruir essa figura logo nas primeiras páginas da HQ.
Como foi escrever uma história inspirada na estética steampunk?
Eu já tinha escrito algumas páginas do roteiro quando o Amorim perguntou se eu conhecia steampunk. Quando eu disse que sabia do que se tratava, ele mandou alguns concepts dos personagens com implantes mecânicos. Foi a melhor maneira de me convencer que isso poderia ser uma adição interessante à história. Começou a ficar melhor quando entendi que o steampunk ia além da tecnologia avançada movida a vapor, mas também tratava da luta do oprimido contra o opressor. Eu já estava querendo explorar esse conceito no sentido das personagens principais oprimidas por uma sociedade machista.
Além disso, Steampunk Ladies é feita para ser a primeira história de Sue e Rabiosa. Nessa HQ específica nós plantamos uma semente. Todos os conceitos estão numa fase bem embrionária, nos preocupamos mais em apresentar as personagens. Mas quem ler a HQ vai ver que abrimos precedentes para a exploração de um mundo onde as personagens principais vão ter um papel crucial numa luta de classes, num choque entre o velho e o novo modo de pensar.
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Raramente vemos algum faroeste estrelado por personagens femininas. Por que escrever uma história protagonizada por mulheres? Como foi a construção das personagens?
Primeiro eu perguntaria: por que não? Quando o Amorim me convidou para o projeto eu de cara sugeri que fosse protagonizado por mulheres. Eu tinha acabado de ler uma pesquisa que revelava números sobre a representação dos personagens na literatura brasileira, quase sempre homens e heterossexuais.
Comecei a escrever a história ao mesmo tempo em que pesquisava sobre o assunto. Foi aí que as coisas saíram do meu controle. Fui confrontado com vários textos a respeito e comecei a questionar até o meu papel como homem na sociedade em que vivemos. Não é fácil ser mulher, apesar de muita gente não aceitar esta afirmação. Pensei em desistir várias vezes de escrever a história, não sabia se eu conseguiria representar dignamente as minhas personagens, se conseguiria fazer as atitudes delas soarem reais.
Para complicar, toda a equipe da HQ era de homens. Mas era um tema instigante demais para não seguirmos adiante. Foi aí que, na reta final do quadrinho, convidamos cinco leitoras-beta, mulheres com experiências de vida diferentes. Os feedbacks delas foram essenciais para a versão final de Steampunk Ladies. E também o incentivo final para que publicássemos esta história.