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Eu não me vejo em meus heróis!

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Eu acho que este é um texto sobre representatividade e sobre como não ter personagens afro em jogos de videogame e animes afeta a vida da gente. Mas eu também acho que esse é um texto leve e um pequeno desabafo sobre como nós, escritores, por pequenos que somos, quando comparados à grande mídia, somos importantes e devemos influenciar o mundo ao nosso redor.

Eu sou fã confesso da série Final Fantasy de jogos de videogame.

Devo ter passado a adolescência inteira na frente do meu velho Super Nintendo e do meu Playstation chegando ao final de praticamente todos os jogos da série. Assim como muitos de vocês, eu me emocionei com a Opera House de Final Fantasy 6, ou com a Morte de Aeris em Final Fantasy 7 e até mesmo me revoltei com Cecil lutando contra o império maligno em Final Fantasy 4 (era esse? Nunca lembro as numerações E.U.A X Japão).

Mas hoje em dia há um ponto que me incomoda um pouco nos Final Fantasy mais antigos, apesar de toda pluralidade cultural dos jogos e da narrativa maravilhosa.

Eu nunca consegui fazer um cosplay de personagem de Final Fantasy.

sahzAcho que foi só no Final Fantasy 7 que eu vi alguma mudança no padrão dos personagens, quando o Barret Wallace apareceu. Mas em todos seus antecessores os personagens principais são um tipo europeu ou asiático. E isso era chato, por que eu queria fazer cosplay também, eu queria ser um Cloud ou um Sephiroth ou um Locke e até mesmo Kefka! Puxando da memória, acho que Final Fantasy tem apenas dois personagens afrodescendentes em suas fileiras, certo? Barret Wallace e Sazh Katzroy de Final Fantasy 13 (que eu só joguei o comecinho, desculpa…). Lembrando: há um número mais ou menos igualitário entre protagonistas homens e mulheres, mas não há qualquer mulher negra em Final Fantasy e, muito menos, uma protagonista.

Eu podia fazer um discurso sobre igualdade, liberdade e fraternidade entre os povos e dizer que japoneses são racistas e não toleram negros em seus jogos e animações. Mas eu tenho um monte de amigos japoneses no Brasil e de quando eu morei no Canadá e posso dizer que eles são um povo amável, respeitoso e centrado.

Então, qual o problema?

Para o japonês é muito difícil ter contato com os povos afro, não é como no Brasil, que nós temos uma mistura intensa entre povos e culturas (o Brasil é o único lugar na Via Láctea que você acha um coreano chamado Diego ou uma chinesa chamada Aline). A gente tem que lembrar em como a cultura asiática é fechada e em como alguns deles nem entendem direito o conceito de racismo. Eu já ouvi de japoneses a seguinte frase “Ah, não tem negro nos animes/ jogos porque não tem japonês negro”.

Isso dito sem nenhuma maldade, sem nenhum toque de racismo e com toda aquela inocência que os asiáticos carregam quando falam do assunto. Existem japoneses racistas? Existem sim, assim como em todos os outros povos do mundo, mas não é deles que estou falando, ok?

Existe, é claro, o termo Hāfu, um termo japonês para alguém que é birracial, descendente de japonês com outra etnia. Não é a mesma coisa que o gayjin, que tem uma conotação mais pejorativa de estrangeiro. O Hāfu, se a gente fizer um paralelo, é como o meio-elfo de Dungeons & Dragons.

Os Hāfu têm ganhando muito destaque na sociedade nos últimos anos por causa da cultura pop, onde são representados por cantores, dançarinos, esportistas e até mesmo no governo, como a ministra da saúde, Masa Nakayama (filha de americano com japonesa) ou o cantor Ne-yo, que é neto de chineses (por parte de pai).

Isso é legal de ouvir, porque abre as portas para uma cultura que até pouco tempo atrás tinha erguido muralhas ao redor de seu povo e impedido qualquer influência externa em suas crenças. Talvez, com a chegada dos Hāfu no mundo pop, fique mais fácil mostrar aos japoneses de maneira geral que pode, sim, existir japonês negão.

Tá, zero, já entendi, não tem japonês negão. Qualé a treta?

Mano, na verdade eu não sei direito. Sério. Eu comecei a escrever esse texto cheio de ideias revolucionárias na cabeça e querendo mudar o mundo. Mas a verdade e bem simples: você muda a realidade a partir da sua própria mente. Só isso. Isso é magick, isso é o conceito principal da magia.

Mudar a realidade com a sua força de vontade. “O mundo é / o mundo está”, tenha isso em mente quando se deparar com os problemas sobre racismo por aí. O mundo é racista ou o mundo está racista? O que você pode fazer para mudar isso? Quantos tijolos você consegue derrubar na parede da ignorância com a sua mente? Não precisa ser muito, talvez um único tijolo, derrubado no momento certo e na parte certa da parede seja o suficiente para mudar a realidade ao seu redor.

Essa questão sobre Final Fantasy não me incomodava tanto quando eu era moleque, mas passou a incomodar nos últimos anos.

Agora que estou produzindo meu próprio mundo de fantasia eu percebi como a gente pode ser plural nas nossas escolhas e como a gente pode sempre querer mais do mundo ao nosso redor. Para mim, por exemplo, ficou cansativo ler obras de fantasia com os mesmos conceitos-chave e com o mesmo arquétipo de personagem. Eu passei a ficar mais exigente não apenas com as obras de outros autores, mas com o que eu mesmo escrevo.

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Quer um exemplo? Na saga “O Baronato de Shoah” os vilões do primeiro livro são um casal homo afetivo, Tesla Wadencliff e Edgar Crow. Tesla possui a habilidade de mudar sua forma física recuperando os corpos de suas antigas encarnações; já Edgar o ama como ele é e vê no amigo alguém que está disposto a tudo para mudar a realidade em que ambos vivem.

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Na época em que eu escrevi o livro eu tinha em mente transformar a sexualidade deles em um obstáculo, talvez em um problema na história ou algo que eles deveriam vencer para ficarem juntos. Mas depois de muita conversa com o Erick Santos (meu editor), o Eric Novello (o copy writer) e a Mayara Souza (minha final reader) nós chegamos à conclusão que aquilo não deveria ser um problema, que a sexualidade de um vilão não deveria ser um empecilho para a história, que isso era só um detalhe de um ser humano, e que ser “gay” deveria ser tão relevante quanto ser canhoto. A ideia não era diminuir o personagem, mas mostrá-lo humano com anseios e desejos como quaisquer outros do livro.

Em meio à falta de oportunidades e ignorância que vivemos hoje em dia, é muito importante ser representado na cultura pop. Ter espaço não apenas para admirar cosplays e jogos, mas para se ver ali, ser parte da história e fazer algo importante dentro dela. Eu quero que o cavaleiro negro mate o dragão malvado e quero que o negro em seu título não seja da cor da sua armadura, mas da cor de sua pele. Eu quero que a bruxa negra que vive na floresta seja uma praticante de vodoo, não apenas mais uma cópia esquisita da wycca adaptada para agradar aos paladares menos apurados.

Eu quero que meus leitores sejam diferentes, que sejam desafiados e apresentados a mundos novos em sua leitura. Eu quero errar bastante enquanto escrevo, falar besteira e abrir espaço para discussão.

Eu quero um protagonista negão em Final Fantasy também!

0 Comments

  1. Marcel disse:

    Sou um mestiço, extremamente mestiço na verdade (como muitos brasileiros), sou fruto de várias raças e culturas europeias mescladas com índios sul-americanos, tenho a pele clara e aparento ser caucasiano mas quase não tenho barba, assim como meus parentes, tios e primos pelo lado da minha mãe que tem forte sangue indigna (afinal índios tem poucos pelos), escrevi isso para dizer que seu texto sincero me deu uma outra perspectiva sobre o assunto, por um momento me coloquei em seu lugar, pois nunca me senti discriminado aqui no Brasil, mas quem sabe em outra parte do mundo seria diferente, me agradou o seu texto, me fez pensar.

  2. Aya disse:

    Acho que entendo a dificuldade dos japoneses considerarem um negro como japonês. Deve ser o mesmo motivo pelo qual os brasileiros nunca me consideraram brasileira. Sou descendente de japoneses, mas nasci e vivi a minha vida inteira neste Brasil amado. E, desde cedo, percebi a dificuldade das pessoas entenderem que eu sou brasileira como elas (não estou nem entrando na questão do racismo, de já terem me xingado na rua, mas de olharem para os meus olhinhos puxados e automaticamente acharem que eu sou muito diferente deles, quase um alienígena).
    Eu quero ver o dia em que aparência não terá importância. Não negro, amarelo, verde folha, mas apenas seres humanos. E realmente penso que um elenco mais diversificado de personagens na mídia ajuda nesse sentido. Quem tem contato com a diversidade aprende que ser diferente é, simplesmente, normal.

    • Jose Roberto Vieira disse:

      muito obrigado, Aya!
      Também espero mais diversidade por aí!
      vamos nos falando!