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Futebol: Escrevendo “Pátrias de chuteiras”, Gerson Lodi-Ribeiro

O Brasil começa com Marquinhos no gol; Márcio Soares e Tucão fechando a zaga; Rodrigues e Luizinho nas laterais; Zeduardo, Douglas e Sólon na armação; e no ataque, Falcão (já recuperado da contusão sofrida na prorrogação da partida contra a Alemanha), Tico e Zequinha.  Nosso técnico é o popular Major João Saldanha, filho do famoso técnico que comandou a Campanha do Bi em 1970.

 

A seleção de Palmares vem completa para a decisão, com Wirapuru, Farofa e Samanco; Araçari e Paulo Nhandu; Temba, Shagga e Liyongo Dias; Savimbi, Angoma e Ngomo, o artilheiro do certame até agora.  Como todos sabem o técnico de Palmares é o grande herói brasileiro de quatro copas, Nascimento dos Santos.

 

Observamos ao holoespectador que essa é a primeira seleção de Palmares a contar com um jogador branco entre os titulares.  Diz-se que Liyongo Dias foi convocado graças à perseverança e o prestígio de Nascimento nos altos círculos da Primeira República.  Embora tenha concordado com a escalação de Dias entre os titulares, a comissão técnica adversária ainda insiste em afirmar que o meia-armador é de fato mulato claro e descendente longínquo do herói militar palmarino, Henrique Dias…  Acredite se quiser.

brasil

“Pátrias de Chuteiras” é uma noveleta sobre futebol.  Uma peça de ficção fantástica futebolística.

— Como é?  Não é história alternativa?

— Sim, também é.  Mas, antes de tudo, é a história de uma partida de futebol.  No caso, a final de uma Copa do Mundo.

A proposta inicial foi escrever um trabalho de ficção que fundisse o assunto futebol aos temas típicos da literatura fantástica.  A noveleta apareceu originalmente na antologia Outras Copas, Outros Mundos (Ano-Luz, 1998), organizada por Marcello Simão Branco e lançada por ocasião da Copa do Mundo de 1998.  Anos mais tarde, “Pátrias de Chuteiras” reapareceria sob a forma de e-book, lançado pelo E-Nigma do autor, crítico e tradutor português, Jorge Candeias.

Toda a ação se passa dentro de um estádio de futebol.  A narrativa mostra o que acontece durante uma final de Copa Mundo, intercalando à trama futebolística em si, o dilema do técnico de uma das seleções, dividido entre dois sentimentos de lealdade antagônicos: o patriotismo que nutre pelo Brasil e a vontade de defender os interesses da raça negra, discriminada no Brasil e discriminadora em Palmares.

Isto posto, é de todo provável que o leitor pouco afeito ao “rude esporte bretão” não se entusiasme muito com “Pátrias de Chuteiras”.  Paciência.  Em minha defesa, só posso apresentar a alegação de que, assim como a ficção científica não se limita a robôs, naves estelares alienígenas e pistolas-laser, a história alternativa não se limita às consequências das decisões militares cruciais, que mudam o curso de batalhas decisivas e, portanto, da história como conhecemos.

Em termos de história alternativa, “Pátrias de Chuteiras” insere-se na linha histórica dos Três Brasis, em tudo idêntica à nossa até 1647, ano em que Maurício de Nassau decide regressar ao nordeste brasileiro para reassumir o governo de Nova Holanda.  Nassau estabelece uma aliança com a Confederação de Palmares.  Juntas, Nova Holanda e Palmares, conseguem derrotar a Coroa Portuguesa e, como resultado, Palmares torna-se a primeira nação independente da América, cerca de um século antes dos Estados Unidos.

É provável que alguns de vocês já conheçam esta linha histórica alternativa, da leitura das noveletas “O Vampiro de Nova Holanda” e “Assessor Para Assuntos Fúnebres”.  A maior diferença é que, ao contrário daqueles trabalhos, em “Pátrias de Chuteiras” o filho-da-noite que atende pela alcunha de Dentes Compridos não dá o ar de sua graça.

A noveleta é o que os estudiosos do gênero da história alternativa — ou ficção alternativa, como preferem alguns — costumam designar como “presente alternativo”, ou seja, uma história cuja ação se passa nos dias de hoje, ou bem próximo disso.  A decisão da Copa do Mundo dos Estados Unidos se dá em 1986, o ano da passagem do cometa de Halley, e também o ano em que os cientistas de Palmares divulgam para o mundo uma descoberta que mudará os rumos da civilização…  Contudo, nada disso é importante para a história da partida.

O drama do técnico Nascimento dos Santos me foi inspirado pelo jogador e técnico Didi.

Para quem não sabe, esse jogador eminentemente técnico foi um dos heróis da vitória da seleção brasileira no Mundial de 1958 na Suécia.  Mais tarde, Didi tornou-se técnico da seleção peruana, conseguindo classificá-la para a Copa do Mundo do México, em 1970.  Por ironia do destino, as seleções brasileira e peruana se enfrentaram nas quartas de final.  Antes da partida, discutiu-se muito no Brasil (e provavelmente, também no Peru), como o técnico brasileiro da seleção peruana se comportaria.  Ele cantaria o hino nacional brasileiro?  Colocaria a mão no peito durante sua execução?  E durante a partida em si?  Torceria pelo Brasil?  Ou pelo Peru?

A ficção exagera a realidade.  Em “Pátrias de Chuteiras”, o negro brasileiro Nascimento dos Santos, considerado o maior jogador de futebol de todos os tempos, torna-se técnico da seleção palmarina.  Só que Palmares e Brasil são os piores inimigos.  Ao longo de suas histórias, as duas nações já travaram cerca de uma dezena de guerras e conflitos menores.  Conflitos onde Palmares quase sempre se saiu vitorioso; a ponto do território brasileiro nessa linha histórica alternativa ter se reduzido aos estados das regiões sul, sudeste e metade da centro-oeste.  Como se isto não bastasse, além deste antagonismo histórico, ambas as seleções já se sagraram campeãs mundiais duas vezes e, pelo regulamento da FIFA, a primeira seleção nacional a se sagrar tricampeã mundial conquistará a posse definitiva da Taça Jules Rimet, um troféu de ouro maciço que, muito mais que seu valor material, trará consigo imenso prestígio político ao país que conseguir levá-lo para casa.

Se mesmo em nossa linha histórica, futebol no Brasil já é coisa séria, na linha alternativa descrita, essa partida se desenrola como autêntica batalha campal — reflexo não só da rivalidade de mais de três séculos entre brasileiros e palmarinos, como do choque entre duas visões de mundo muito diferentes, e de dois ideais de superioridade racial incompatíveis.

Na época de sua publicação original, alguns leitores me perguntaram se Nascimento dos Santos seria um “Pelé Alternativo”.  A resposta é depende.  Depende do que se entenda por “Pelé Alternativo”.

Em termos estritos, não.  É inconcebível imaginar a existência do futebolista Edson Arantes do Nascimento numa linha alternativa que já divergiu da história que conhecemos há mais de três séculos.  Não obstante, alguns paralelismos histórico-pessoais que, por capricho, decidi introduzir no enredo.

Em termos genéricos, eu diria que sim.  Embora não seja o Pelé, o personagem Nascimento dos Santos foi livremente inspirado nessa grande figura da história esportiva, e foi idealizado como uma homenagem ao Pelé de nossa própria linha histórica.

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