Quando comecei a escrever O Baronato de Shoah – A Canção do Silêncio o livro não possuía um mundo muito organizado. Na verdade havia apenas duas ideias básicas para o romance, a primeira delas envolvia uma corporação chamada HADES que construíra uma máquina chamada Equidna, que criava monstros. A segunda ideia era de que o protagonista, Kadriatus, perseguia um renegado através de um mundo pós-apocalíptico. Esse renegado era um dos primeiros filhos de Equidna e foi o primeiro conceito do Edgar.
O mundo era muito mais próximo aos estranhos quadrinhos da revista Heavy Metal, sendo habitado por toda sorte de criaturas bizarras, incluindo as Quimeras – seres humanos com partes do corpo monstruosas (na prática, eles eram os arur).
Eu sempre gostei da alta fantasia, tanto Tolkien quanto Lewis, Martin e até mesmo a saga Eragon me serviram de influência e formação de leitura. Mas eu sempre quis mais, sempre desejei mais da literatura fantástica por que eu acreditava nela, eu sabia que ela podia ser mais fantástica e mais motivadora do que “elfos contra o senhor do escuro” ou “o escolhido que não sabe de seu passado”. Por sorte antes de começar os primeiros rascunhos de O Baronato de Shoah eu li Bernard Cornwell, Stephen Pressfield e Stephen King.
Bernard Cornwell e Stephen Pressfield são autores dos quais eu gosto muito. Eles escrevem romances que misturam a história e a fantasia de forma brutal e inédita. Eles me ensinaram muito e mudaram um pouco minha visão mágica e bonitinha da fantasia.
Stephen King dispensa apresentações. Quando eu li A Torre Negra pela primeira vez eu fiquei tão encantado, tão emocionado que não conseguia largar os livros. Eu queria escrever algo parecido, algo fantástico, mas sombrio, novo, mas com pitadas antigas. Eu queria fazer a minha própria versão de A Torre Negra (e acabei fazendo… o resultado não ficou bom…).
A construção de Nordara, o mundo de O Baronato de Shoah foi gradual. A primeira ideia era de que ela fosse um mundo “medieval fantástico pós-apocalíptico”. Seu conceito inicial era de que os heróis do mundo tivessem falhado em sua grande missão contra “o senhor do mal” e o caos se instaurara, deixando Nordara como um espectro do que já fora. Essa ideia nunca foi descartada por completo, mas ainda não era o que eu buscava.
Um mês e meio antes da publicação de A Canção do Silêncio o editor Erick Santos veio me pedir um mapa definitivo de Nordara. Nós estávamos empolgados com os mapas de outros livros da editora e acreditávamos que algo tão grandioso quanto O Baronato de Shoah merecia sua representação geográfica. Minha primeira tentativa foi de desenhar o mapa à mão e enviar os detalhes para ele, mas os rascunhos ficaram péssimos e eu desisti. Pensamos em contratar alguém para fazer o mapa, mas as únicas pessoas que conhecíamos cobraram uma fortuna ou não estavam disponíveis. Na época pensamos em fazer apenas o mapa da região do Baronato de Shoah, sem o Quinto Império e o continente, mas essa seria nossa última opção.
Lembro que, a época, eu cheguei a pensar em reformular o livro mais uma vez e torná-lo muito próximo ao jogo de videogame “Legend of Mana”, cujo mapa ia sendo construído aos poucos, conforme o jogador avançava na história e colhendo itens mágicos que davam forma ao seu mundo. Essa ideia foi descartada por que eu teria de reescrever mais da metade do livro e ele já tinha sido anunciado.
Eis que, chegando muito perto do prazo para enviar o mapa para a Editora Draco eu me deparo com um descascado na parede da minha casa. Era uma parte da parede onde a trepadeira havia desgrudado e arrancado a tinta, uma coisa esquisita de se ver e até meio feia se comparada ao resto da casa.
Era o mapa de Nordara, com seu continente principal, arquipélagos, continente extra e oceanos.
Mais que depressa eu peguei a minha câmera e tirei três fotos, imprimi e rabisquei algumas ideias básicas. Claro que a folha inicial era horrível e de baixa qualidade, mas aquilo me ajudou a ter uma ideia muito melhor de como meu mundo se parecia e onde as coisas aconteciam.
No primeiro mapa o Quinto Império ficava no extremo leste, em uma grande ilha separada do continente principal. Minha vontade era de não envolver meu primeiro livro na construção do mundo e ter liberdade para muda-lo no futuro. Então eu percebi que não precisava fazer isso, que não havia necessidade de decidir todas as características de Nordara logo no primeiro livro. O mapa era apenas um guia para os leitores entenderem melhor aquele mundo novo e uma maneira de eu me organizar na criação do mundo.
Assim o Quinto Império foi mudado para o meio do mapa, a fim de se tornar, literalmente, o centro das atenções. O Baronato de Shoah passou a ser sua região norte, um ponto não muito grande, mas importante para o entendimento da saga. Nesse ponto ficou estabelecido que os livros contariam a história não apenas da Kabalah, mas também da região em si e que cada livro traria mais politicagem e o ponto de vista dos bnei shoah para o leitor. Sendo assim, nós começaríamos contando uma verdade absoluta para o leitor e a desconstruiríamos aos poucos, revelando pontos de vista diferentes, culturas diferentes e posições diferentes a cada livro.
A saga “O Baronato de Shoah”, no fim das contas, serviria como os filmes de Star Wars, como um pilar onde todos os demais livros de Nordara se apoiariam. Seria como a árvore da vida e cada um de seus galhos um reino, uma história, uma verdade.
Quando conversei com o Erick sobre este mapa ele se animou bastante e nós trabalhamos por um bom tempo nele. Eu recebi um arquivo em preto e branco com o contorno da mancha da parede e muito mais fácil de rabiscar. Coloquei os nomes dos reinos, cidades e pontos mais importantes, decidi melhor sobre Kriemhild e Kuronaya, além de deixar alguns mistérios pendentes, como o além-mar e o extremo norte e sul de Nordara.
Uma coisa que eu tinha em mente na época era de que o mapa obedeceria os padrões do Quinto Império. Os nomes dos outros reinos, as fronteiras, as posições geográficas seriam todas baseadas nas crenças dos bnei shoah, mas conforme os outros reinos ingressassem na história e mostrassem seu ponto de vista, o mapa mudaria.
Este foi o processo de criação inicial de Nordara. Muita coisa ainda estava por vir, muita coisa iria mudar, mas o embrião estava ali, um mundo escravizado por seus deuses e dividido por culturas isoladas.
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