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Super-Heróis: Um bate-papo com Gustavo Vícola, autor de “Roda-Viva”

Segundos antes, do outro lado da cidade, Bento está cansado. A turma das 19h logo chegará e será bom tomar um café para despertar. Ensinar crianças certamente é cansativo, mas ele sabe que não são as aulas que o estão esgotando, e sim dormir apenas quatro horas por noite, resultado de suas atividades noturnas. As aulas de capoeira, na verdade o revigoram, mas é no intervalo entre uma e outra, quando o corpo começa a esfriar, que o cansaço toma conta. Na cozinha, serve-se de um pouco de café bem forte, feito minutos atrás, e sorve um bom gole do delicioso líquido amargo. Ele ainda não se acostumou com as estranhas bebidas desta época e fica feliz em saber que ainda pode provar um gostoso café. Na verdade, quase tudo lhe é novidade; principalmente andar pelas ruas sem ser maltratado ou desrespeitado. De onde vem, homens negros são somente instrumentos de trabalho e não são melhor tratados do que cachorros. Bento não imaginava que um dia voltaria a sentir dignidade.

 

Sem aviso, uma voz de mulher, emitida na recepção do prédio, rasga o ar e ao atravessar toda a academia, resgata Bento de seus próprios pensamentos. – Meu deus! Corre! Vem ver! – Ele imaginou se teria acontecido algo grave, mas não sabia se devia ir até lá; uma reminiscência de sua época. Na fazenda do coronel Luís Antônio, e até mesmo na cidade, sabia que nunca deveria se intrometer em assuntos que não lhe dissessem respeito. Principalmente se fossem dos brancos. “As coisas são diferentes agora”, pensou. “E, além do mais, alguém pode estar em perigo”. Decidiu-se.

 

Ao chegar à recepção, um grupo de curiosos já havia se formado ao redor do que era, para Bento, um dos aparelhos mais estranhos desta época. Na tela da televisão, uma tomada aérea focaliza a Radial Leste, a principal via de escoamento entre o centro de São Paulo e a região mais populosa da cidade, a zona leste. A extensa pista acinzentada parece tomada por pessoas que abandonam seus carros às pressas e fogem do que parece ser uma gigantesca roda de metal deslizando sobre os automóveis, esmagando-os como se fossem gravetos. Bento corre em direção à saída do prédio. Olha o relógio; 18h52. “Se eu for rápido, tudo dará certo”, pensa.

CROPRoda viva

O que você curte nos super-heróis?

Gosto de como suas aventuras inserem elementos fantásticos em situações reais, vividas por muitas pessoas todos os dias. Por trás das máscaras e poderes, a maioria dos super-heróis são indivíduos comuns que lidam com situações corriqueiras, como chegar a tempo no trabalho, organizar as finanças ou cuidar de relacionamentos. São questões que fazem parte do mundo real, mas que ganham um toque fantástico por causa dos superpoderes. Quando o Homem-Aranha se atrasa para a uma entrevista de emprego por ter sido atacado por um supervilão, entendo como é ruim perder uma oportunidade de trabalho. Por outro lado, já imaginei várias vezes como seria bom ter a supervelocidade do Flash ou o teleporte do Noturno para chegar a tempo em um compromisso. Essa união entre o mundo real e o fantástico acontece de maneira muito fácil nas histórias de super-heróis e é o que mais me agrada no gênero.

Como foi escrever para uma coletânea sobre super-heróis, mas tendo essa questão da identificação luso-brasileira?

Foi uma grande satisfação. Em muitas conversas com amigos eu tentava explicar que aventuras de super-heróis no Brasil podiam ser muito legais, mas nunca tive sucesso em convencê-los. Quando soube que a editora Draco planejava uma coletânea com esse tipo de história, percebi que eu não era o único a acreditar nisso e tratei de caprichar na história Roda-Viva. Minha intenção foi criar uma empolgante aventura de super-herói e ambientá-la em São Paulo, mas tomei muito cuidado para não criar estereótipos, tanto para o personagem quanto para a locação. É decepcionante ver um super-herói brasileiro que mais parece uma caricatura.

Das ideias que você poderia ter, por que o Corisco?

Os super-heróis são uma criação tipicamente estadunidense e, ao ambientá-los em outras culturas, é muito fácil criar personagens estereotipados. Com o Corisco, acho que consegui criar um super-herói tipicamente brasileiro, mas sem ter que ficar apelando para sua brasilidade. Isso porque alguns elementos da história e da cultura do país estão bem enraizados na origem e na essência do personagem.

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