Aos primeiros passos um cão ladrou. Viu então movimentos pelas cercanias, uma mulher e uma criança do lado de fora recolheram um cesto de panos lavados e correram para dentro da choça. Um homem com um forcado apareceu então vindo de uma roça escura de couves num lado. Ficou ali, diante de sua porta esperando a aproximação do gigante. Então um rapaz também apareceu e tinha uma espada. Eles falavam e Glaoul não entendia. Aproximou-se mais e o homem ordenou ao cão avançar. Era um cão pastor amarelo, bom de tamanho e raiva nos olhos. As mandíbulas atracaram-se ao braço do negro que então levantou o animal do chão como um cordeirinho e no colo estalou-lhe a espinha.
Era noite quando voltou para perto da carroça. Todo seu corpo estava pintado de algo escuro e brilhante sob as luzes tremulantes das chamas da fogueira. Novamente somente a mulher esperava, mas Glaoul sabia sobre os vigilantes homens sob as sombras. A seguidora de Bendis se aproximou e o gigante parou diante dela. Ela passou as mãos pelo seu tórax estufado como um barril, os dedos pelas suas cicatrizes e no novo corte impingido pela lâmina da espada do menino aldeão. Só três coisas nele ainda lembravam Roma: as cáligas tacheadas, o singulum de couro e o vermelho fumegante sobre seu corpo. Ela sorriu e com as palmas manchadas pintou o próprio rosto com o sangue, abriu as roupas e untou os grandes seios redondos com olhos lânguidos. Então notou o volume sob a tanga do monstro fazendo as tiras do singulum se afastarem. Seu rosto se fechou numa confusa máscara de gelo. Ela cobriu sua nudez lembrando-se quem era e foi para baixo de suas peles enquanto o negro olhava ofegante, com o vapor a envolver-lhe o corpo no frio outonal. Então se virou e foi se deitar dentro de sua gaiola. Fora uma vitória seca. Sem luta de verdade, sem recompensas. Quando a luxúria se foi, um sentimento de terrível vazio o dominou e ele adormeceu.
Era dia quando a comitiva se moveu de novo. A cabana fora incendiada naquela mesma noite e mal restavam brasas quando o guinchar das rodas da carroça se perderam no horizonte daquelas terras mortas. Glaoul dormiu muito, alimentado como um bebê e os panos sobre as barras de ferro foram bem vindos para manter a luz fora de seu pequeno quarto de escravo sobre rodas. Ele havia se exercitado como a mulher quisera e ela lhe negara amor.
Lembro-me como se fosse hoje o dia em que vi que a Draco estava aceitando submissões para uma nova antologia de contos. Dragões vinha como uma luva para um texto já pronto, que tinha guardado em algum lugar. Estranhamente, era um texto que fora retirado de um romance por não se encaixar mais naquela narrativa. Esse trecho, extirpado para talvez nunca ser publicado, continha um personagem forte, denso e bem delineado, que fugia à natureza do romance sobre vampiros em questão. Glaoul era como um personagem que, sendo contratado para ser coadjuvante, acabou por se mostrar grande demais para o papel, excedendo expectativas e, por isso, fazendo sombra ao ator principal. Merecia então uma história só para si.
É complicada, para o escritor, a fase pós-criação de um romance: aparar as arestas, cortar parágrafos, reescrever passagens inteiras e, como nesse caso, eliminar todo um capítulo. É uma fase em que certas balizas tiveram que ser movidas e amarras foram mudadas. Perdemos momentaneamente o referencial, não sabendo mais o que funciona ou não, o que serve e o que se tornou redundante. A escritora Cristina Lasaitis, que eu tinha contatado para fazer uma leitura crítica do livro, aconselhou-me a fazer algumas alterações, mudanças que foram em grande parte executadas, de acordo com meu discernimento. Afinal quem manda na criatura é o criador.
Dentre acréscimos e cortes, sabia que Glaoul ainda daria pano para manga. Era bem definido, factível como personagem principal, conduzia a si próprio e mostrava-se plástico o suficiente para poder se moldar aos objetivos da coletânea. Glaoul precisava ser um dragão! De um dublê de vampiro, a adaptação para um ser obscuro e misterioso, um gladiador romano com poderes sobre a morte, é que acabou brilhando. Ouvir um profissional competente, externo ao processo criativo, é muito importante e, no final das contas, o que acabou sendo publicado foi o conto, onde Glaoul desponta. O romance, que era o foco anterior, continua engavetado até hoje.
Glaoul é negro, de origem núbia. De imediato, descola-se do arquétipo do herói de fantasia. Não exploro uma mitologia medieval, já que a narrativa se passa num período anterior historicamente, na época do imperador romano Trajano (anos de 98 a 117 d.C.). Tenho para mim a concepção de que quanto mais antigo, mais misterioso e mágico o mundo. Além disso, ao invés de repisar o panteão romano, abstraio-me explorando a mitologia pagã dos celtas, germânicos e geatas, na Dácia, um dos países conquistados por Roma. Por isso as citações a deusa Bendis, às caçadoras da lua e ao monte Kogaion, onde o deus Zalmoxis, segundo a lenda, havia morrido e ressuscitado três anos depois. Aliás, a pesquisa para a escrita desse texto foi das mais prazerosas que já tive.
Glaoul não é uma pessoa comum. Ele almeja ser cidadão romano, assim entendidos os homens e mulheres livres sob as leis de César, em qualquer lugar do império. É praticamente um “herói nacional” pelo seu destaque nas arenas, mas nasceu escavo e continua a sê-lo apesar da fama. Acaba por ser comprado e levado por uma misteriosa caravana que o leva para muito longe da urbe, para o nordeste do império. Nessa viagem, Glaoul vai reaprendendo o que é, esquecendo-se do seu passado, cada vez mais se aproximando do eu que habita dentro de si, submetendo-se a metamorfose que o toma e nos deparamos com a libertação final de sua essência, onde pode enfim viver livre sob os céus escuros do velho mundo, numa outra forma, fazendo aquilo que melhor fez durante toda a vida: matar.
Você pode baixar o conto em formato e-book na sua loja preferida, acesse a hotpage: http://editoradraco.com/2012/12/17/dragoes-o-negro-albarus-andreos/.
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Eu li!
Sou seu novo fã. Compro tudo q tu escreveres Albarus.
Caros,
Bom dia.
Minhas impressões acerca do “texto”:
Esse amontoado de texto apenas para descrever sexo que não deu certo? Prefiro Harold Robbins ou mesmo Sidney Sheldon. Não vi nada de fantasia ali. Ou melhor, vi: fantasia sexual velada.
Narrativa pobre. Senti-me lendo um daqueles livrinhos para crianças de pré-escolar. Não sei se isso é proposital ou falta de proficiência em nossa língua.
Confuso, o “autor” parece ter algum problema de raciocínio, ao abusar de pontos para realizar interrupções que fazem o pequeno texto se arrastar (como se fosse algo grandioso).
Se é preciso essa explicação toda para descrever uma historinha insossa, fraca e sem graça esse “material” não deveria nem ser publicado.
Saudações cordiais.