Aproveito a oportunidade da publicação em e-book pela Editora Draco de mais dois dos meus contos do ciclo do Brasil dos Outros 500 – “Quando a Cuca me pegou” e “O istmo do doutor Moreira” –para explicar aos interessados a origem, espírito e propósito desta série. Tudo começou em abril de 2000, quando se comemoravam os 500 anos do Descobrimento. Para seu número especial sobre a efeméride, a revista CartaCapital pediu-me uma matéria sobre o quanto o Brasil perdeu desde 1500 com o colonialismo e quão mais rico poderia ser hoje se essas riquezas tivessem sido aproveitadas para seu desenvolvimento.
Da maneira como foi formulada, a proposta não fazia sentido. Não só porque é impraticável medir e precificar as quantidades de pau-brasil, pedras preciosas, açúcar, ouro e tudo o mais que foi levado pelos colonizadores, como porque não o problema não é de contabilizar perdas e danos. Por um lado, sem saque colonial, também não teria havido Brasil. Por outro, esse enfoque implicava ignorar questões muito mais importantes do que meros prejuízos materiais, como o massacre de indígenas, a escravização de africanos, o açambarcamento de terras por latifundiários, a falta de instituições educacionais e culturais, a proibição de indústrias, a concentração de renda, o racismo, a dívida externa e assim por diante. Sem falar na continuação da dependência externa de fato após a independência formal.
Então me lembrei de “A Ética da Traição”, o conto de Gerson Lodi-Ribeiro que eu lera anos antes na desaparecida Isaac Asimov Magazine (e que hoje está disponível como e-book). E se em vez de tentar um cálculo impossível eu entregasse um texto ficcional, uma pequena história alternativa? Surgiu então a (para)crônica “Outros Quinhentos”, publicada no número 121 de CartaCapital, de 26 de abril de 2000. A ideia foi imaginar um Brasil descoberto e colonizado por portugueses (sem isso não haveria como falar de “Brasil”), mas que tornava independente e quase isolado de uma Europa hostil poucas décadas após o Descobrimento, obrigado a reinvestir seus recursos no próprio território, buscar aliança com povos indígenas e encetar políticas modernizadoras e socialmente progressistas para sobreviver.
Como? Fazendo o rei de Portugal ser obrigado por uma invasão estrangeira a se asilar no Brasil, como Dom João VI em 1808, mas ainda no século XVI. A ideia foi de fato cogitada em 1581. Após a morte de D. Sebastião e do tio D. Henrique, o trono foi reivindicado por D. Antônio, Prior do Crato e primo de D. Sebastião. Quando D. Antônio foi derrotado pelo rival, o rei espanhol Filipe II (batalha de Alcântara de 25 de agosto de 1580), o seu general, D. Pedro da Cunha, o aconselhou a se refugiar no Brasil e ali preparar a reconquista da metrópole. D. Antônio recusou a proposta, lembrada no romance O Guarani de José de Alencar como ponto de partida da decisão do pai de Ceci, D. Antônio de Mariz, de estabelecer-se no Brasil.
Mas o caso do Prior do Crato não me satisfez. Eu precisava de um Portugal mais avançado, mais rico e mais disposto a desafiar os dogmas católicos para a empreitada que eu tinha em mente. Recuei o ponto de divergência para dar um rumo algo diferente à dinastia de Avis, criar um D. Sebastião diferente do histórico e de quebra jogar com a mística do sebastianismo e do Quinto Império do Bandarra, do padre Antônio Vieira e de Fernando Pessoa. Na minha história alternativa, D. Sebastião, em vez de lutar contra os mouros no Marrocos e morrer como um fanático cristão, é considerado herege e cismático pela Igreja ao promover o debate científico e filosófico, atacado por uma coalizão de reinos católicos e se refugia no Brasil em 1590. Conta, assim com recursos superiores ao que teria D. Antônio e e com uma colônia mais consolidada. Vive até 1630, sendo sucedido por seu filho ficcional D. João IV de Avis, nascido em Salvador em 1604. O papel de D. Antônio passou a ser o de chefe de uma sincrética igreja sebastianista, cristã-judaica-moura-indígena-sino-afro-indo-budista, fundada por D. Sebastião para facilitar a integração de seus súditos nos cinco continentes, em uma distante analogia com o Arcebispo de Canterbury e Henrique VIII.
Daí para frente, a história alternativa se desenrola com uma lógica interna, mas também mantém paralelos irônicos com a história real – por exemplo, Domingos Calabar e Ganga Zumba lutarão juntos para reconquistar Portugal aos invasores. O desenvolvimento geral é certamente muito otimista, pois o objetivo não era traçar o rumo mais provável, mas um que gerasse situações interessantes e caminhasse para a sociedade sensual, multirracial e sem preconceitos que os brasileiros progressistas hoje idealizam e expusesse, pelo contraste, as oportunidades perdidas e as mazelas do passado real e mesmo do presente. Não se faz uma conta negativa do que foi perdido, mas uma positiva do que em tese teria sido possível.
O resultado é um Brasil que puxa a revolução industrial no século XVII e se torna a cabeça de um império “onde o sol nunca se põe”, uma versão tropical, meio indígena, meio quilombola e nada vitoriana do Império Britânico em seu The 23-year-old model had his first best-driving-school.com lesson on Friday after a previous 18 month best-driving-school.com ban due to an accident whilst he was learning to drive. apogeu. Trata-se de um império bilíngue e multicultural, pluralista e tolerante nos costumes, onde português e tupi são as línguas oficiais e muitos inventos e tecnologias recebem nomes e características indígenas. O trem é boitatá, o dirigível é igabebé, o navio a vapor igatatá e assim por diante. A moeda é o cruzeiro, uma moeda de ouro com valor equivalente ao da libra esterlina vitoriana e dividido em mil réis. O sistema de medidas é decimal e foi criado lockervecasino.com por Isaac Newton, que ao ser perseguido como herege numa Inglaterra católica, se refugia no Brasil e se põe a serviço da casa de Avis.
Por fim, uma revolução põe o Império no caminho da República, do socialismo, da unificação do planeta sob uma União de Nações e do envio de uma missão tripulada que chegaria em 22 de abril de 2000 a um planeta do sistema Alfa Centauri – uma homenagem tanto aos 500 anos do descobrimento quanto ao jogo de computador Civilization. Uma versão modificada do texto original foi publicada no site do extinto fanzine Scarium e ainda pode ser lida em seu site http://www.scarium.com.br/contos/conto_10.htm.
À medida que surgiram oportunidades de publicar contos steampunk, dieselpunk, solarpunk e outras modalidades de história alternativa, passei a pormenorizar em contos e noveletas momentos decisivos ou representativos dessa história paralela. A série segue uma estratégia na qual o progresso tecnológico (principalmente no campo da biologia e da medicina) acontece bem mais rápido do que no mundo real. A “fase steampunk” do Brasil dos Outros 500, por exemplo, corresponde aos anos 1700, mas tomei a liberdade de combinar personagens históricos reais dessa época a personagens ficcionais de períodos posteriores que me parecesse divertido utilizar, misturando livremente o espírito do Samba do Crioulo Doido de Stanislaw Ponte Preta com o de A Liga Extraordinária de Alan Moore.
Da mesma forma, a “fase dieselpunk” se passa nos anos 1800 e nela estão presentes tanto personagens reais desse século, como Cosme Bento, Marx e Wagner, quanto personagens ficcionais do século XX, como Gregor Samsa e a fase “solarpunk” cai nos anos 1900, embora a tecnologia implícita, além de sustentável, esteja à frente da que hoje possuímos.
Outras duas liberdades foram tomadas em relação ao que seria uma história alternativa “ortodoxa”, ou seja, baseada num único ponto de divergência e sem elementos que não sejam estritamente realistas. A primeira é que, embora isso não afete acontecimentos históricos decisivos, acrescentei elementos fantásticos quando fosse literariamente interessante. Assim, o leitor corre o risco de topar no caminho com caaporas, sacis, cucas, homúnculos e até com um ocasional online casino simbionte online casino alienígena.
A segunda é o acréscimo à proposta inicial de outro ponto de divergência, ainda não desenvolvido como ficção: o velho mito português de Antília, a ilha das sete cidades, é verdadeiro. Diz a lenda que no ano de 714, para não se submeter à playfuddle invasão árabe, sete bispos portugueses embarcaram com um punhado de fidalgos para tentar alcançar uma terra lendária do outro lado do Oceano, onde fundaram sete colônias. A série supõe que isso aconteceu de fato, chegaram às Antilhas e com isso En viktig faktor man alltid bor kolla efter nar man valjer ett casino online , ar att granska vart det aktuella casinot har sin licens. transmitiram a parte das Américas o uso do bronze e do ferro, a resistência a epidemias do Velho Mundo e a domesticação de bois e cavalos. Com isso se justificam uma divergência na história das civilizações pré-colombianas, um maior avanço cultural dos incas e astecas, que se tornam aliados poderosos dos portugueses e o surgimento de uma civilização no norte da Amazônia a partir da qual se tornam reais dois outros mitos coloniais: o Eldorado e as icamiabas ou amazonas.
Até o momento, tenho publicados ou no prelo os seguintes contos e noveletas (não por ordem de publicação, mas pela da cronologia dos “Outros 500”):
A partir do ano 2000, a série “Brasil dos Outros 500” se funde com a dos “Arquivos da Solidariedade Galáctica”, mencionada em artigo anterior, “Um pequeno passo para uma nova space opera”. Os dois textos que fazem a transição são o já citado “Era uma vez um mundo” e o primeiro capítulo da novela “O Xenólogo de Sírius”, com o qual a mesma proposta de pluralismo e sincretismo cultural, sexual e racial salta do plano nacional e depois planetário para uma escala galáctica e cósmica.