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Perseguindo histórias e personagens

A ideia inicial sempre parece mais mirabolante do que o possível realizável. Um médico gringo que desapareceu em algum país vizinho, enquanto pesquisava alguma planta estranha. Um grupo de degenerados brasileiros contratados para encontrar o pesquisador e um empresário cheio de segundas intenções. Ainda tenho os primeiros arquivos de ideias, cheios de “ou” isso, “ou talvez” aquilo, sequências pela metade, a trama toda esburacada. Foi um percurso longo e tortuoso até que a narrativa se transformasse no que hoje é o romance A última expedição, minha estreia na Editora Draco.

Até que tomasse a forma final, só o começo do livro teve umas cinco versões. O protagonista mudou de nome no meio do projeto, quando o livro já tinha sido selecionado pelo Programa Petrobras Cultural e já tinha o patrocínio engatilhado, e eu deveria estar com o livro quase pronto.

Mas tudo bem. Escrever é reescrever, como sempre digo aos meus alunos.

Com o patrocínio arrastei um amigo para conhecer comigo a Bolívia, em julho de 2011, com um mínimo de planejamento: tinha só um percurso aproximado, uma passagem de ida e outra de volta. A ideia era procurar personagens e cenários, e quem sabe também encontrar o pesquisador desaparecido (nunca se sabe). Logo no voo de meia hora entre Santa Cruz de la Sierra e Sucre (porque a estrada entre essas duas cidades é dessas em que passa um ônibus pequeno e se olhar demais para o abismo ele pode olhar de volta e aí já viu), na imensidão daquele começo de altiplano, aquela paisagem parda de deserto, tive um pouco de pena dos meus personagens e na tarefa quase impossível que os aguardava. Não ia encontrar aquele médico nunca.

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A cidade de Sucre vista do mirante (o aeroporto está ali atrás, nas montanhas).

Encontrei mais do que procurava: encontrei cenários antes inventados, e estavam ali, muito reais e muita poeira. Aquele ar seco e gelado e cortante. Um frio desgraçado. Encontrei um personagem para servir de guia, sem um dos dentes da frente. Povoados abandonados, albergues inusitados, estradas de terra infinitas, a agitação de La Paz e a tranquilidade da Isla del Sol, turistas gringos por todos os lados.

2011-07-19 13h37m14

Povoado abandonado na beira da estrada rumo a Uyuni.

2011-07-19 16h00m05

Estrada entre Challapata e Uyuni.

2011-07-24 15h35m51

Isla del Sol e o lago Titicaca.

2011-07-27 09h36m20

La Paz.

O deserto de sal em Uyuni e o povoado de Coqueza aos pés do vulcão Tunupa: foi aqui que o médico foi visto pela última vez, pensei. Saiu de jipe, meteu-se pelo deserto de sal e desapareceu.

2011-07-20 16h25m23

Rumo a Coqueza e o vulcão Tunupa.

2011-07-21 09h37m09

Salar de Uyuni, el salar más grande del mundo.

O resto foi apanhar da narrativa e brigar com personagens. E encontrar o tempo para escrever, que essa vida de professora engole até os finais de semana. Mais de um ano depois, o livro ficou pronto. Vai vendo o que acontece quando a gente inventa de escrever romance com um protagonista teimoso. Muito teimoso. Ou, ainda: quando co-protagonista se mete a ditar os rumos da história. É uma boa briga.

A Draco topou a encrenca, e o livro sai agora em abril, em papel e em e-book. E mais: logo os meus livros anteriores saem também pela editora, exclusivamente em e-book. São dois romances policiais que publiquei de forma independente: Operação P-2, publicado em 2007, e Segunda mão, que teve a publicação patrocinada pelo ProAC, da Secretaria da Cultura de São Paulo. Além dos romances, vêm também dois contos policiais: A casa no morro e Jamais o inexistente sorriso.

Esse último é meu queridinho (não vou negar). Foi quando estava escrevendo esse conto que fiz uma das maiores descobertas desse trabalho de escriba maltratado: bom mesmo é escrever sem saber como termina a história. Ouvi isso primeiro do Marçal Aquino, escritor de narrativas mais ou menos policiais e nem sempre urbanas: “se já sei como acaba a história, para que vou continuar escrevendo?” Nunca o levei muito a sério, até uns três anos atrás, quando estava me aproximando do final de Jamais o inexistente sorriso.

Tinha decidido escrever sem muito planejamento, pela experiência; até então estava indo tudo muito bem. Súbito me veio uma ideia ótima para o final da história, e não hesitei abrir um arquivo de texto, montar uma lista com o que ia acontecer. Feito isso, pensei: bom, agora já sei o que acontece, vou parar um pouco, fazer outra coisa. A vontade de escrever morreu. Pensei: ei, espera um pouco. Apaguei a lista, apaguei o arquivo. Em vinte minutos estava escrevendo outra vez, rumo ao desfecho da narrativa, com direito à perseguição e troca de tiros.

Era um conto, curto, cinquenta páginas. Conseguia fazer aquilo com um romance? Fiz. A última expedição é a prova. Só fui descobrir o final quando me aproximei dele, e me surpreendi com ele, e com os personagens, esses bichos traiçoeiros. Ser escritor também é ser leitor. Se eu não consigo me surpreender com uma história minha, não é pedir demais que o leitor faça isso por mim?

2011-07-21 14h20m00

Eu e os cactos corales temperatura na Isla Incahuasi, no meio do Salar.

0 Comments

  1. Marcelo Augusto Galvão disse:

    Ótima notícia saber que os livros anteriores vão sair pela Draco também 🙂