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Depois do fim: Escrevendo “Postdomini”, Gerson Lodi-Ribeiro

criacao-de-adao

A Criação de Adão é um afresco pintado por Michelangelo Buonarotti.

“E se Deus se revelasse para além de qualquer possibilidade de dúvida? Como a civilização sobreviveria ao impacto dessa revelação? É de se esperar que todas as religiões organizadas sejam afetadas pela revelação.  Talvez muito mais fosse afetado do que apenas as religiões organizadas, dependendo do quão suscetível ou indiferente meu criador ficcional se mostrasse em relação à maior necessidade psicológica humana, aquela que nos levou a inventar nossos deuses e religiões em primeiro lugar.”

“Postdomini” é uma das duas noveletas pós-apocalípticas que escrevi em 2012, ano em que a temática entrou definitivamente em voga, motivada pelos boatos de que o mundo talvez viesse a acabar em dezembro daquele ano, por conta de uma pretensa previsão de um calendário maia.  Alegações pseudocientíficas e crenças new age à parte, o modismo me foi lucrativo, pois acabei convidado para participar de duas antologias temáticas com propostas de trabalho semelhantes: tentar imaginar cenários inovadores para um dos temas mais usados e abusados da literatura fantástica: o fim do mundo.  Inovadores e originais, sim.  Porque de apocalipses zumbis, extinções alienígenas, hecatombes ambientais e armageddons termonucleares os amantes do gênero já deviam estar fartos.

Escrito primeiro, “Terra Brasilis” — trabalho que escrevi para o outro projeto, a antologia 2013: Ano 1 (Ornitorrinco, 2012) — propunha um cenário para lá de heterodoxo e ligeiramente inspirado no romance A Choice of Gods, do Clifford D. Simak.  No meu conto, toda a humanidade desaparece da noite para o dia, como se jamais houvesse existido, em todo o planeta.  Menos no Brasil, que sobrevive mais ou menos incólume ao fenômeno inexplicável que obliterou o resto da espécie humana.

Quando Eric Novello me convidou por volta da mesma época para participar da antologia Depois do Fim (Draco, 2014), percebi o tamanho da enrascada onde me metera: seria preciso bolar um cenário pós-apocalíptico ainda mais inovador do que o conto escrito três meses antes para o projeto anterior.  Um bruto desafio para quem está mais habituado criar cenários de ficção científica ambientados em futuros distantes mais ou menos utópicos.

Minha salvação foi que me lembrei de uma noveleta clássica do Lester del Rey que havia lido na adolescência, “Sou um Povo Ciumento”, na qual Deus rompe sua aliança conosco, passando a apoiar invasores alienígenas dispostos a conquistar a Terra.  Premissa do cacete: o autor logrou transformar o clichê surrado do fim do mundo através da invasão alienígena numa narrativa original.  Só que não era exatamente a história de fim-do-mundo que eu desejava contar.  Mesmo assim, a questão filosófica da existência de Deus, do propósito que ele delegou à humanidade e, sobretudo, das expectativas humanas em relação a uma eventual vida após a morte, eram ideias que talvez pudessem ser bem aproveitadas no âmbito da literatura fantástica.

Como todo bom agnóstico que se preza, eu já havia dado tratos à bola (se me perdoam o emprego dessa figura de linguagem dos tempos dos meus avós) aos fundamentos psicológicos e neurológicos da crença num criador hipotético e às motivações psicossociais para o estabelecimento das religiões organizadas.  Na ausência de provas científicas incontestáveis, capazes de convencer todas as pessoas, crer na existência de um criador de todas as coisas sempre me pareceu antes uma questão de fé do que uma questão de lógica.

Quando repassei mentalmente essa velha impressão, companheira fiel de mais de meio século, eis que vislumbrei meu cenário pós-apocalíptico criativo e original: e se a existência do criador deixasse de ser uma questão de fé e passasse a ser uma questão de lógica?  E se a crença se transformasse em certeza indiscutível?  E se Deus se revelasse para além de qualquer possibilidade de dúvida?  Como a civilização sobreviveria ao impacto dessa revelação?  Todos sabemos que as escrituras das diferentes religiões são mutuamente incompatíveis.  Portanto, é de se esperar que todas as religiões organizadas sejam afetadas pela revelação.  Algumas mais, outras menos.  Talvez muito mais fosse afetado do que apenas as religiões organizadas, dependendo do quão suscetível ou indiferente meu criador ficcional se mostrasse em relação à maior necessidade psicológica humana, aquela que nos levou a inventar nossos deuses e religiões em primeiro lugar.

“Postdomini” é uma narrativa ambientada naquilo que convencionamos chamar “futuro próximo”.  A ação se desenrola na Zona Sul carioca da terceira ou quarta década do nosso século.  A revelação a que os personagens se referem como “Esclarecimento” ocorreu três meses antes e todas as certezas e garantias das instituições humanas desmoronaram para todas as pessoas, crentes, ateias e agnósticas.  Propus três protagonistas: uma doutoranda ateia prestes a defender sua tese em Física Teórica (Carla); um agnóstico bon-vivant que trabalha como jornalista científico numa grande rede brasileira de telecomunicações (Júlio Esteves); e um policial crente (Gustavo Ribeiro) que, não obstante suas crenças, funciona como espécie de alterego deste autor que vos escreve.

Não é uma história de ação, mas, antes, uma narrativa de ideias, onde procuro mostrar o que aconteceria se Deus aparecesse diante da humanidade para afirmar sua existência, desmentindo um punhado de equívocos históricos que nos perseguem desde a Antiguidade.

Hoje, com a publicação desta noveleta, quase dois anos após sua escrita, de vez em quando ainda me pergunto, se sua premissa básica se concretizasse na Vida Real™, será que sobreviveríamos ao impacto do Esclarecimento?

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0 Comments

  1. Eliane De Lacerda disse:

    parece muito interessante, gostaria de ler esse livro!
    http://www.elianedelacerda.com