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Futebol: Escrevendo “Nos gramados em cinzas da Arena do Abismo”, Marco Rigobelli

Claudinho corria com a classe de um gato, passava pelos adversários driblando como se eles não fossem obstáculos, e de fato não eram; qualquer uma das quarenta e três mil trezentas e setenta e duas testemunhas presentes no estádio podia ver que nenhum dos três jogadores pelos quais ele passou antes de distribuir a bola parecia uma ameaça à jogada. O futebolista estava outra vez fazendo uma exibição de gala para a arena lotada, ele passou os últimos nove anos de sua meteórica carreira colecionando momentos assim e se habituou a ser o melhor jogador da partida e a reunir apelidos que exaltavam suas qualidades. Uns afirmavam que ele era obra de bruxaria, que havia algo muito poderoso olhando pelo seu sucesso, outros só se perguntavam como ele conseguia fazer isso tudo em campo com a vida desregrada que levava – mas todos sempre concordavam em uma coisa: acima de títulos, de levar sua equipe à vitória, o maior objetivo de Cláudio sempre que colocava primeiro o pé direito em campo era ser o centro das atenções, todas as outras coisas seriam consequências disso.

 

Ele era tão ágil que podia passar pelos jogadores do outro time quase sem ser percebido. E esse também era o caso dos Cães do Inferno, com a diferença de que eles estavam de fato incógnitos para todos exceto por Cláudio, que ouviu seus rosnados e viu a massa grotesca de músculos, couro e pêlos que dava forma a essas criaturas. Eram dois deles, que nunca caçavam sozinhos, arrancando tufos do gramado enquanto partiam num bote feito de pesadelos. O craque percebeu, mas sua agilidade não era mais o suficiente, não naquele momento. Enquanto seu time cobrava um escanteio e ele, como sempre, se posicionava no segundo pau, os Cães avançavam atravessando os outros jogadores como se fossem feitos de ar. A jogada já era tão manjada que ela só conseguia ainda ser possível graças às habilidades sobre-humanas de Claudinho. Dessa vez, como poucas vezes aconteceu, o lance falhou.

 

Quando os Cães Infernais alcançaram Cláudio, ele sentiu o peito arder e o ar abandonar seus pulmões tão rápido quanto a vida tomava o mesmo caminho. Tudo acontecia enquanto a bola traçava uma parábola na direção do atacante, que nem capaz foi de reagir. O zagueiro adversário saltou como se o chão estivesse em brasas e escorou a bola pra fora da área sem notar que o homem do qual ele queria tanto mantê-la longe amolecia e tombava de encontro ao gramado.

 

No final desse dia, os programas de debate esportivo discutiram os cuidados que os clubes tinham com a saúde dos jogadores, faziam homenagens improvisadas ao grande craque que partiu prematuramente, tendo se consagrado em seu clube, prestes a transferir-se para a Europa e às portas da primeira Copa do Mundo que tinha real oportunidade de vencer, depois de uma tentativa frustrada três anos atrás, quando ele descobriu que não era sempre capaz de carregar um time nas costas. Algumas mulheres choraram sua perda, a mãe mais que todas as outras. Muita gente dependia de tudo o que Cláudio havia construído, e o castelo de cartas ia desabando a medida que a ficha de sua morte caía um pouco mais cada vez que ela era noticiada. O clube europeu com o qual ele já estava verbalmente acertado divulgou nota lamentando o ocorrido e causando uma pequena indisposição ao cutucar a estrutura no clube brasileiro de Claudinho que, segundo eles, “foi incapaz de diagnosticar o problema cardíaco que custou a vida de um dos maiores talentos que o esporte já viu”.

 

As camisas amarrotadas pelo vento, o borrão que representava a torcida eufórica, o reflexo do sol na lente da câmera de TV, o repórter olhando ansioso pelo gol que sua profissão impediria de comemorar. Em um instante mais nada daquilo estava lá. Quando os Cães alcançaram Cláudio, ele sentiu uma dor tão breve quanto agoniante e instantes depois despertou em uma sala miúda, com não mais que a cama onde estava deitado, um pequeno criado-mudo com um livro desfigurado também descansando e um ventilador ligado que mais parecia estar ali pelo prazer da piada, porque o calor beirava o obsceno.

hell

Esse foi um dos casos nos quais o título veio antes da obra. Não me lembro de qual circunstância me levou a pensar em algo como Nos gramados em cinzas da Arena do Abismo, mas me pareceu sonoro e guardei até que tivesse alguma ideia de como usar. As coisas começaram a se ligar quando a antologia chegou às minhas mãos.

Corri o risco de repetir o tema de algum outro autor ao apostar em um jogador que faz o pacto para se tornar o maior do mundo. Esse foi o plot inicial que me levou ao final da partida sendo disputada em um estádio no inferno, com condições absurdas e clima completamente desfavorável ao protagonista. Meu foco o tempo todo estava nas descrições, precisava encontrar formas de comunicar o futebol em seus detalhes e dinâmica de maneira que me deixasse satisfeito como um apaixonado pelo esporte.

Isso acabou estendendo-se para a ambientação, para toda a sensação de estranheza que o inferno causa ao protagonista, que também precisava ser traduzida ao leitor. E espero que tenha conseguido um bom resultado.

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