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[Top 5] Lidia Zuin

Cyberpunk, extreme tecnology e altas doses de filosofia fazem parte das obras da Lidia Zuin, autora da trilogia Requ13m e do conto Dies Irae.

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E para entrar no clima desse Top 5, as palavras da própria autora:

“Para escrever essas noveletas, fica difícil dizer quais foram as influências, porque tudo meio que ficou perdido no inconsciente – seja ele pessoal ou coletivo. Algumas coisas foram planejadas, construídas, outras aconteceram e me surpreenderam, literalmente num susto. Coisas que se encaixaram na narrativa que, num primeiro momento, lá no Dies Irae, tinham sido colocadas à toa e, mais tarde, em REQU13M, fariam todo sentido, com meu amadurecimento pessoal e profissional. Isso porque, desses anos para cá, já que a Imaginários vl. 3 foi lançada em 2010, eu me formei em Jornalismo e fiz uma iniciação científica em cibercultura, uma monografia em semiótica e música e agora estou terminando o mestrado em semiótica e artes plásticas/fotografia, aprendi muitas outras coisas. E me reencontrei com algumas temáticas em obras diferentes, as quais me influenciaram muito. Então, é como se tudo estivesse interconectado. REQU13M é muito isso, de certa forma. Como eu tenho lido pouca ficção, apesar de minhas pesquisas acadêmicas serem sempre sobre arte, eu sempre transito entre essas duas áreas… então o meu Top 5 vai ser isso: quais foram as minhas influências teóricas que deram origem às noveletas, mas sem necessariamente uma ordem de importância.”

Vamos lá?

1. “As máquinas são tão mortais quanto as pessoas”, de Dietmar Kamper

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Tive contato com esse texto não lembro se foi antes ou enquanto eu já estava fazendo parte do grupo de pesquisa Comunicação e Cultura do Ouvir do meu antigo orientador Prof. Dr. José Eugenio de Oliveira Menezes, da Faculdade Cásper Líbero. Eu tinha uns 20 anos e na época estava fissurada em Caprica, o prequel de Battlestar Galactica. Todos estavam discutindo esse tema na reunião de grupo de um ponto de vista metafísico e para mim estava muito claro que o autor estava falando sobre pós-humanismo… e quando eu pedi a palavra, falei de modo atropelado, do jeito que sempre acabo falando quando as ideias brotam na minha cabeça, e acho que ninguém entendeu muito bem hehehe… E ficou por ali mesmo. Ano passado ou esse ano mesmo, no semestre anterior, meu orientador mencionou esse autor na aula, mas esse texto nunca é comentado… e aí fui eu de novo e toquei no assunto e novamente falei sobre esse ponto de vista, mas ninguém parece mesmo levar por esse lado. Enfim. O caso é que estou batendo nessa tecla desde 2009, com a minha iniciação científica sobre Serial Experiments Lain, e agora estou com essa nova bagagem literária de autores germânicos como o Kamper e estou tentando achar meu lado na academia para falar sobre isso. Estou minando meu terreno, por enquanto, na parte da ficção, mas ano que vem já vou começar a dar entrada no doutorado nessa área… o caso é que esse texto foi minha principal inspiração para escrever essas noveletas e foi dele que eu tirei os títulos delas e algumas das citações que uso nas epígrafes. E é engraçado que, de certa forma, eu estou indo contra o autor, mas acho que, de qualquer maneira, teóricos não foram feitos para serem louvados e sim para serem discutidos e pensados, né? hahaha…

2. “Vampyroteuthis infernalis”, de Vilém Flusser e Louis Bec

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Eu ia deixar só o nome dele, mas resolvi pôr o título de um livro em específico, porque se tornou um dos meus livros preferidos. Simplesmente mudou minha vida depois de ter lido. É incrível. Flusser é um autor que quebra paradigmas, se você souber ler – e nem todo mundo sabe. Acho que se eu não tivesse tido a ajuda dos meus orientadores, o professor Eugenio e o Prof. Dr. Norval Baitello Júnior, eu dificilmente teria compreendido o autor da forma que consegui, mas… o importante é que extraí bastante da obra e que hoje ela tá destruída na minha estante de tanto que eu a levava pra lá e pra cá hehehe. Ela simplesmente abre seus olhos. Como diz meu atual orientador, Flusser é um trickster. E esse livro tem muitas frases de efeito, principalmente nos últimos capítulos, já que nos primeiros ele faz uma brincadeira na qual finge que a obra é um livro de biologia sobre um molusco abissal que dá o título da obra… quando, na verdade, ele está falando sobre o homem. É filosofia. É sobre a sombra, sobre nós mesmos, sobre o outro em nós mesmos e sobre o outro que não sou eu. E o Flusser adorava criticar a ficção científica também. Ele foi um grande pensador, alguém que sempre foi do contra e nunca quis se fixar a nada. Recentemente saiu um livro do Erick Felinto e da Lucia Santaella no qual eles fazem uma leitura sobre Flusser e sobre o pós-humano… bem interessante. Inclusive, há um texto do Flusser sobre ficção científica, o qual eu ainda não li. Mas com a chegada do arquivo Flusser ao Brasil, certamente vou fazer o possível para verificá-lo. Ah, e esse autor também é outro que está nas epigrafes das noveletas REQU13M.

3. Carl Gustav Jung

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Agora no mestrado, tive muito contato com a obra de Jung. Lendo livros como Mysterium coniunctionis, Psicologia e alquimia, Estudos alquímicos, comecei a expandir meus conhecimentos sobre algumas simbologias e ter acesso a alguns conhecimentos que eu não tinha ideia. Como estudante de semiótica, isto é, estudo dos signos, você começa a prestar mais atenção em algumas minúcias que vão desde o que pode significar a posição de um triângulo até o significado do incenso na cultura ocidental e na oriental, por exemplo. E aí nas aulas do meu orientador atual, o Norval, ele começava a falar sobre o que é real, mas de um ponto de vista semiótico, sobre a questão da representação dos signos, da representação e da interpretação, começou a falar sobre diferentes culturas e religiões e falando sobre como Jung estudou isso também… e aí eu ia nas obras dele, nos índices onomásticos, via lá Mercúrio, Wotan, Lua, Sol, véu, criança, qualquer coisa! Tudo tem algum significado cultural e místico. Acho isso incrível. Na alquimia, as transformações dos metais, o significado disso tudo e como a psicologia foi conectando isso com os estados mentais… Fora as ilustrações que vêm nos livros…. Enfim, uma loucura. Fiquei extremamente inspirada por isso e pelo ocultismo também que as obras mencionavam.

4. “Avalon”, de Mamoru Oshii e Kenji Kawai

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Eu não acho o filme assim tão profundo filosoficamente falando, acho até bem simples de ser sacado, mas a protagonista é incrível, gosto do visual de FPS (first person shooter), do fato de fugir da realidade no jogo e da discussão do que é real e do fato de ter uma camada de elite chamada “class real” na qual se pensa que, na verdade, aquela é a realidade. E tem toda uma simbologia do mito de Avalon, para onde os heróis vão.. e o Kawai fez uma ópera maravilhosa, extremamente épica pro filme… porque ele é simplesmente incrível, as trilhas sonoras dele são obras primas. A cena final desse filme foi uma inspiração enorme para mim, nas noveletas. Quem ler vai reconhecer muito fácil. Porque é essa a sensação que eu tenho da relação entre música clássica e cyberpunk, sabem? É a mesma que o Oshii e o Kawai fizeram em Avalon. Daí vocês entendem a relação do nome da série ser Requiem, apesar de o significado ter mais a ver com o fato de ser uma missa para os mortos. Também me inspirou muito ter assistido ao Requiem de Mozart na Karlskirche em Viena, claro heheh…

5. Caprica

caprica

Fiquei em dúvida se colocava no último tópico Serial Experiments LainPrometheus ou Caprica, mas acho que Caprica merece esses parênteses porque nunca escrevi nada (ainda) sobre o seriado. Tanto Prometheus quanto Caprica foram muito mal compreendidos pelas pessoas que sempre acabam preferindo a maior franquia e que invariavelmente acabam se focando na temática mais space opera – aliens, viagens interplanetárias, naves e afins. No caso, eu adoro Alien, mas não assisti à série Battlestar Galactica pra poder dar minha opinião, então… mas o que posso dizer é que Caprica é genial dentro dos limites e do orçamento que teve. Porque lidou com a religiosidade e a transcendência através da máquina. Esse é um tema que me chama a atenção desde 2009, quando fiz minha iniciação científica sobre Lain, e não é bobagem: há uma literatura teórica sobre isso e muita gente pesquisando a respeito e até mesmo investindo… os tais de singularitarians. Vocês provavelmente já ouviram falar de caras como Hans Moravec e Ray Kurzweil, por exemplo. E, evitando dar a sinopse do seriado, que vocês podem checar em qualquer Wikipedia, o interessante é que eles meio que deram a conclusão deles, no seriado: não acreditam em vida na máquina, mas que se emula a pessoa no computador. Isto é, a personagem morreu mesmo, não é possível estender a vida numa simulação… aquilo que está em ambiente virtual é apenas uma inteligência artificial que está imitando a pessoa e não ela mesma, ainda que seja muito parecida. E o interessante é que o seriado se preocupa mesmo com os problemas psicológicos da AI, que sabe que não é a Zoe e não quer ser ela, quer ser reconhecida como outro indivíduo, apesar de ter praticamente os mesmos sentimentos de outro ser. É incrível… uma das cenas mais maravilhosas é quando finalmente a AI cede e abraça a mãe, com quem ela mais tinha problemas, quando ainda era Zoe e não uma cópia dela (isto é, ela carrega as memórias, simulação de memória da Zoe que já morreu).

Bom, é isso. Espero que tenham gostado. Acho que com isso já dá para ter uma ideia geral do conteúdo das três noveletas que fazem parte do REQU13M.

Todas as noveletas já estão em pré-venda nas livrarias de e-book, por apenas R$ 4,99 cada: Deus sonha o homem, O homem sonha a máquina, A máquina sonha deus. O conto Dies Irae você pode ler em e-book ou dentro da coletânea Imaginários v. 3. Conheça o universo mundo cyberpunk e cheio de simbologias de Lidia Zuin.

0 Comments

  1. Melissa de Sá disse:

    Eu fiquei muito interessada nessas noveletas por causa do título (tanto pelo significado quanto que pela sonoridade da palavra rs) e agora lendo esse top 5 com certeza fiquei mais ainda. Quer dizer, existe uma certa ansiedade para quem está na academia em relação a produzir arte. Estamos lá, estudamos, discutimos e pensamos arte o tempo todo (no meu caso, literatura) e às vezes fica difícil produzir arte nós mesmos. Eu também acredito que há uma ponte entre o teórico e o artístico. Aquilo que lemos de teoria, de discussão, de crítica, que pra muita gente pode parecer chato e cansativo, também pode se tornar uma fonte de inspiração para uma obra artística (seja ela literária ou não). Às vezes as melhores ideias vêm daí.

    Eu não conheço os autores que a Lídia citou (só de nome ou de reputação), mas gostei da proposta e dos links feitos. Com certeza vou ler essas noveletas (e o conto!). Gosto dessa atual releitura do cyberpunk, apesar de essa não ser exatamente a minha “praia” acadêmica.

    Enfim, é isso. Acadêmicos produzem!

    • Lidia disse:

      Melissa, obrigada pelo seu comentário e interesse! Eu, na verdade, tenho lido tão pouca ficção ultimamente (por falta de tempo, por conta do mestrado) que a minha inspiração tem sido quase que exclusivamente a teoria mesmo. E é engraçado, ou talvez muita sorte minha, mas os professores com quem tive contato nos últimos anos são muito poéticos e artísticos – alguns realmente artistas que foram para a academia. Então, é muito natural ficar oscilando entre uma coisa e outra na minha área, que é semiótica da cultura. As aulas são pura “viagem” heheh… são sempre falando sobre arte, então é bem natural pra mim ficar nessa dupla fonteira ou, como diz uma professora que conheci e que é muito querida pra mim, a Prof.ª Dr.ª Jerusa Pires Ferreira, a terceira margem do rio – nas aulas dela falamos sobre Chopin, Fausto, literatura de cordel e também de semiótica russa! A academia não precisa ser uma coisa tão truncada, mecânica e exatificante como pode parecer pra algumas pessoas e como, de repente, até continua sendo – vejo isso em alguns eventos que participo, em algumas pesquisas apresentadas que parecem ser meros fichamentos e não reflexões, sabe? Se você reflete sobre as coisas ou até mesmo “viaja”, é natural que uma obra de arte, literária ou não “aconteça”. Os orientandos desses professores são escritores, pintores, fotógrafos… e esses professores também escrevem, tocam piano, pintam… é mais ou menos por aí 🙂 e é legal que, quando temos que relatar nossa produção anual, ainda tem a parte “produção artística” heheh… mas essa não pode ser maior do que a acadêmica, né! 😛

      Enfim, espero que goste das noveletas e do conto, Melissa! Obrigada mesmo por se manifestar por aqui!