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Uma Princesa Asteca entre os Incas…

Por Gerson Lodi-Ribeiro

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A ideia de escrever o conto “Xochiquetzal e a Esquadra da Vingança”, primeira parte da narrativa que viria a se tornar o romance curto Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas, surgiu de um debate no Point of Divergente[1] em meados de 1998 sobre como seriam as Américas se o continente houvesse sido descoberto e colonizado apenas pelos portugueses, sem a participação dos espanhóis.

Na edição seguinte do apazine, propus uma linha histórica alternativa para justificar a descoberta da América sob bandeira lusitana.  O ponto de divergência teria sido o naufrágio da flotilha comandada por Bartolomeu Dias no Cabo das Tormentas em 1488.  Esta divergência gerou duas consequências imediatas.  Em primeiro lugar, El-Rei de Portugal, Dom João II, aceita a proposta do navegador genovês Cristóvão Colombo para chegar às Índias navegando para o poente.  Em segundo lugar, como consequência desta decisão tecnicamente equivocada, os portugueses não descobrem o caminho marítimo para as Índias e põem de lado por três décadas a ambição de controlar o monopólio do comércio das especiarias.

Em compensação, Colombo descobre a América em 1490.  Em sua segunda viagem, no ano seguinte, descobre Cuba e Lusitânia (Hispaniola, em nossa linha histórica), dando início à colonização e à exploração econômica das Antilhas, pois, os portugueses já estavam bem acostumados a lidar com arquipélagos de ilhas atlânticas.  Gaspar Corte-Real explora o litoral do Novo Douro (Nova Inglaterra) na Cabrália do Norte em 1498 e Pedro Álvares Cabral descobre a Terra do Cruzeiro do Sul, posteriormente batizada em sua homenagem.

O primeiro contato entre navegadores portugueses e pochtecatl mexicas se dá na Península do Iucatão em 1504, despertando a cobiça dos lusos para as riquezas de Anáhuac.  De fato, entre 1508 e 1510, Affonso de Albuquerque (cognominado “Affonso o Grande”) avassala o Reino Mexica para Portugal, tornando-se o primeiro Vice-Rei do México.  Empresençade Albuquerque, o Tlatoani Motecuhzoma II jura vassalagem a Dom Manuel o Venturoso. Essemonarca luso tornar-se-ia posteriormente conhecido pelo epíteto de “Senhor dosSeteMares”. Entre os mexicas, Dom Manuel é cognominado de “Rei dos Reis”.

Mexicas

Oito anos mais tarde, Fernão de Magalhães estabelece o primeiro contato direto dos portugueses como Tahuantinsuyu (Império Inca).  Os emissários do Inca Huayna Capac (1450-1525) trocam presentes com os portugueses.  No comando de uma pequena comitiva, Magalhães é recebido na corte do Sapa Inca em Cusco nas Alturas.

A ideia básica inerente à elaboração desta linha histórica alternativa é que os lusos tratariam os grandes impérios pré-cabralinos com política diversa da praticada pelos conquistadores castelhanos da nossa história.  Em vez de destruir tais impérios, os lusitanos os avassalariam, à semelhança do que realmente fizeram com os reinos da Península Indiana.  De certo modo, a conquista dos grandes reinos das Cabrálias teria sido mais fácil e amena para os portugueses do que a conquista da Índia.

Para manter os vínculos de lealdade com seus novos vassalos, já em 1511, cerca de quinhentos teuclahtoh (nobres hereditários) e teteuctin (lordes) mexicas e acolhuas, filhos da mais elevada nobreza da Tríplice Aliança de Anáhuac, são levados para Portugal a fim de receber educação cristã.  Então com sete anos, Xochiquetzal desembarca em Lisboa a Branca.  Em verdade, não obstante o fato de receberem educação esmerada e tratamento condizente às suas posições de filhos-d’algo, os teteuctin são de fato reféns de luxo.  Sua estada na Europa garante que os tlatoque mexicas e aliados nem sequer cogitem se revoltar contra El-Rei.

Quando regressam a Anáhuac alguns anos mais tarde, os jovens mexicas e acolhuas já se encontram lusitanizados o bastante para servir em postos de comando intermediário nos exércitos de El-Rei.  Já as filhas-d’algo mexicas se tornam aptas a desposar comandantes lusitanos, como acontece, aliás, com a jovem Princesa Xochiquetzal, esposa de Dom Vasco da Gama, um dos principais comandantes lusitanos das Três Cabrálias.

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Em março de 1999, eu tinha uma bela linha histórica alternativa em mãos e não tinha medo de usá-la.  O problema é que àquela época já estava escrevendo “Capitão Diabo das Geraes” — noveleta de história alternativa ambientada no universo ficcional dos Três Brasis — para publicar na antologia Phantastica Brasiliana, que estava organizando com Carlos Orsi Martinho para a editora Ano-Luz.

A solução foi escrever e publicar “Xochiquetzal e a Esquadra da Vingança” sob meu pseudônimo Carla Cristina Pereira, que eu havia estabelecido anos antes e que, inclusive, já havia realizado sua própria estreia literária com o conto pseudofactual “Se Cortez Houvesse Vencido a Peleja de Cozumel”, publicado na antologia Outras Copas, Outros Mundos (Ano-Luz, 1998), organizada por Marcello Simão Branco.

A gana para colocar esse conto de descobrimentos portugueses alternativos no papel foi tão grande que interrompi “Capitão Diabo das Geraes” para escrevê-lo.  Acabou que concluí o conto da Carla em abril de 1999 e o meu no mês seguinte.

Ademais — oficialmente à minha revelia — “Carla” submeteu seu conto à antologia bilíngue portuguesa Pecar a Sete / Sinning in Sevens (Simetria, 1999).  Com uma versão para o inglês à disposição, traduzida por David Alan Prescott, “Carla” submeteu seu conto à revista de ficção científica australiana, Altair.  Graças à publicação de “Xochiquetzal” na Altair, fui indicado… quer, dizer, Carla foi indicada para o Sidewise Awards 2000 na categoria ficção curta e acabou como finalista, atrás apenas da belíssima noveleta “Seventy-Two Letters”, do Ted Chiang.

Dez anos mais tarde, quando enfim revelei meu pseudônimo, pude enfim incorporar ao currículo o fato de ter sido finalista do Oscar da história alternativa mundial.

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Animado pelo sucesso de “Xochiquetzal e a Esquadra da Vingança”, decidi escrever uma sequela.  Daí, em janeiro de 2003, após ler umas duas dezenas de livros sobre as culturas asteca e inca, concluí a noveleta “Xochiquetzal em Cuzco”, que se inicia exatamente onde o conto anterior terminava.

A inspiração imediata para escrever essa noveleta foi responder a especulação histórica de um contato hipotético entre as civilizações inca e asteca.  Mesmo que, até onde saibamos, tal contato não tenha ocorrido em nossa linha histórica, é interessante especular em suas consequências prováveis.  Astecas e incas ter-se-iam unindo numa frente comum contra o invasor europeu?  Ou se portariam mais ou menos como os ameríndios da etnia tupi do Brasil colonial, em que algumas tribos se aliaram aos portugueses, enquanto outras os combatiam?  De qualquer forma, na linha histórica alternativa Xochiquetzal, contato primeiro com os astecas e mais tarde com os incas se dá sob égide lusitana.

“Xochiquetzal em Cuzco” foi publicada na antologia Por Universos Nunca Dantes Navegados (Tecnofantasia, 2007), organizada pelos autores portugueses Luís Filipe Silva e Jorge Candeias.  Mais uma vez sob o pseudônimo Carla Cristina Pereira.

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No primeiro semestre de 2006, Fábio M. Barreto estabeleceu seu selo de literatura fantástica, Unicórnio Azul, na editora Mercuryo.  Após publicar a novela de ficção alternativa A Mão que Cria, de Octavio Aragão, e minha coletânea de história alternativa Outros Brasis, Fábio se interessou por outros trabalhos.  Dentre várias propostas e submissões, surgiu a ideia de fundir os dois trabalhos do universo ficcional Xochiquetzal e reescrever a novela resultante, ampliando-a para que atingisse as dimensões de um romance curto.[2]

Infelizmente, o selo Unicórnio Azul foi descontinuado após a publicação dos dois títulos acima referidos.  De qualquer modo, prontifiquei o romance curto e quando a editora Draco iniciou suas atividades no segundo semestre de 2009, eu tinha os originais desse romance curto de história alternativa para submeter à apreciação do publisher Erick Santos.

Dito e feito.  Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas foi um dos primeiros romances publicados pela editora.  Foi lançado em dezembro de 2009.

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Há ocasiões em que o escritor tem que encurtar um texto, podando-o aqui e ali, reduzindo-o de noveleta para conto, a fim de ajustá-lo às necessidades do editor ou antologista.  No caso de narrativas muito extensas, uma solução de fortuna é pinçar alguns capítulos do romance ou novela e reescrever esses capítulos de forma que façam sentido sozinhos em seu novo formato.  Por vezes essa solução funciona a contento, mas nem sempre.  Não raro, o leitor experiente percebe que o trabalho que tem diante de si constitui o fragmento de um todo maior e que, efetivamente, falta algo à narrativa para torná-la completa.

Noutras ocasiões, cumpre encorpar o texto, transformando-o de conto em noveleta ou de novela em romance.  Neste caso, em geral não basta apenas recontar exatamente a mesma história com mais palavras, pois existe o risco real de o texto parecer encheção de linguiça.  Uma solução é repassar a narrativa com calma a fim de descobrir que trechos estão implorando por novas cenas e personagens.  Outra técnica, de execução mais complexa num único volume, é fazer com que as aventuras daquele grupo de personagens prossiga para além do ponto em que o autor inicialmente convencionou como o fim da narrativa.

Na elaboração de Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas, criei alguns personagens novos, em geral convocando ao palco alguns que só haviam sido citados, mas não chegaram a aparecer em “Xochiquetzal em Cuzco”.  Além disso, escrevi novas cenas, anteriormente apenas insinuadas na noveleta citada.  Ao fim do processo, obtive o romance curto que pretendia escrever.  A contagem de palavras foi, grosso modo, o dobro da soma do número de palavras do conto com o da noveleta.  Se o resultado da experiência foi satisfatório, cumpre ao leitor julgar.



[1] Point of Divergente é um “apazine” de história alternativa do qual participei desde seu lançamento em 1997 até 2004.  Apazine ou APA (Amateur Press Association) fanzine é um periódico amador em que cada membro se obriga a enviar certo número de laudas a cada edição, com resenhas, ensaios, artigos e peças de ficção dentro do assunto que seus membros se propõem explorar.

[2].  “Xochiquetzal e a Esquadra da Vingança” (5.500 palavras); “Xochiquetzal em Cuzco” (15.600 palavras).  Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas (42.100 palavras).

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