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Um pequeno passo para uma Nova Space Opera

A antologia Space Opera, pioneira do subgênero no Brasil.

Quando tive a oportunidade de resenhar a primeira antologia Space Opera da Editora Draco, assinalei as origens do subgênero com E. E. “Doc” Smith nos anos 1920 e 1930 e seu ressurgimento nos anos 1970 e 1980 com o sucesso da primeira trilogia Star Wars e dos primeiras superproduções cinematográficas de Star Trek. Não foi preciso avançar mais nesse histórico porque todas as influências mais relevantes sobre essa coletânea, bem como sobre praticamente toda a Space Opera brasileira (ressalvo Space Opera 2, que ainda não tive oportunidade de ler), estão contidas nesse período.

A história internacional da Space Opera não se encerrou, porém, nesse período, nem com as retomadas já saudosistas de Star Wars e Star Trek nos anos 1990 e 2000. Já nos anos 1970, autores britânicos como M. John Harrison, em The Centauri Device (1975) começaram a experimentar o que veio a se chamar New Space Opera. A antologia do mesmo nome, organizada por Gardner Dozois e Jonathan Strahan e publicada pela Eos em 2007, estabeleceu um paradigma para esse subgênero, que está para “Doc” Smith mais ou menos como o New Weird de China Miéville e similares para H. P. Lovecraft.

Quais são suas características? Quem consultar a Wikipedia (em inglês) a respeito, lerá que a New Space Opera valoriza o desenvolvimento de personagens, verossimilhança, escrita de boa qualidade e rigor científico, mas isso são menos características de um subgênero do que critérios de valor literário que se aplicam também a obras tradicionais de qualidade. Outros pontos citados são mais úteis para entende-la: “explora temas sociais contemporâneos”, “envolve tecnologias mais recentes” e “distancia-se do modelo do triunfo da humanidade”.

Os dois primeiros aspectos são fáceis de explicar: as aventuras da Ópera Espacial tradicional foram, conscientemente ou não, baseadas no clima político e social do que o historiador Eric Hobsbawm chamou de “Era dos Extremos” (1914-1989): guerras entre impérios coloniais, conflitos raciais, disputas por matérias-primas, maniqueísmo ideológico (Lensman), planejamento econômico e social (Fundação), espionagem e guerra fria (Federação vs. Klingons), ditaduras totalitárias (Star Wars).

São obras escritas nos períodos que hoje associamos ao dieselpunk e ao atompunk e sua tecnologia no fundo é a de meados do século XX acrescida de armas de raios, campos de força e naves interestelares. Inteligências artificiais, robôs e avanços em biologia e genética eram meros coadjuvantes ou mesmo inexistentes – nos primeiros livros da série Lensmen, por exemplo, a humanidade avança para as estrelas, mas a pólio continua uma doença incontrolável. Nas séries Fundação e Duna, robôs (também banidos de Star Trek e pouco mais que alívio cômico em Star Wars) são arbitrariamente proibidos. Em geral, também a vida familiar e urbana reproduz os padrões de meados do século XX e os protagonistas, com raras exceções, são do sexo masculino e têm nomes anglo-saxões. Alienígenas, quando existem, tendem a ser quase humanos, se não caricaturas de povos humanos reais (como os Klingons, originalmente, dos soviéticos) e a grande maioria dos planetas são quase iguais à Terra.

Não há nenhum demérito em continuar a trabalhar com esse futuro que amávamos tanto e se divertir com ele, mas hoje se trata de um retrofuturismo, tanto quanto o steampunk ou o dieselpunk. Trata-se de revisitar, com ou sem ironia, os sonhos de uma época que passou.

É o modelo do “triunfo da humanidade”: um universo domado não tanto pela “espécie humana” quanto um certo modelo de homem, de determinado sexo, cor, língua e valores morais, mesmo à força de impor pressupostos arbitrários como a proibição de inteligências artificiais e de forçar a barra para garantir que o herói humano tivesse a última palavra, mesmo ante um “coadjuvante” alienígena física e intelectualmente superior (Kirk vs. Spock).

A Nova Ópera Espacial, por outro lado, começou a engatinhar na idade de ouro do cyberpunk, que desde seus inícios projetava para um futuro próximo que já é o nosso presente, ou quase, a onipresença de redes de computadores e comunicações, a multiplicação de inteligências artificiais superiores à humana, a criação de próteses equivalentes ou superiores aos órgãos naturais, o uso quotidiano de engenharia genética e clonagem, a difusão da nanotecnologia, a mestiçagem cultural, a ascensão de povos não-ocidentais e o surgimento de novos modelos de moralidade, política, reprodução e sexualidade.

Mesmo sem naves interestelares, o cyberpunk pintou, com razão, um futuro próximo mais estranho e desafiante do que a maior parte da ficção espacial tradicional. A partir dos anos 1980, como imaginar a sério o futuro distante sem levar tudo isso em conta? Faz sentido continuar a projetar a família nuclear tradicional no futuro se as pessoas do futuro poderão escolher trocar de sexo, ser praticamente imortais, clonar filhos ou reproduzi-los em úteros artificiais? Travar guerras interestelares por alimentos ou minérios quando é fácil (ou pelo menos mais fácil do que viajar entre as estrelas) sintetizá-los por clonagem, nanotecnologia ou microbiologia? Como ignorar a integração mente-máquina que já é parte do nosso quotidiano e a possibilidade de inteligências artificiais sobre-humanas? Como prever a continuidade sem modificações, no futuro distante, de formas de governo e de modos de produção e sociabilidade que hoje já estão em crise profunda, talvez terminal?

A segunda antologia Space Opera da Draco.

Era preciso partir do admirável mundo novo da revolução informática e biotecnológica e ir além, tão longe quanto possível. O tema de fundo da Nova Ópera Espacial já não é o “triunfo da humanidade”, mas a superação da humanidade por seus descendentes ciborgues ou transumanos e suas criações tecnológicas tão ou mais inteligentes que eles. Inevitavelmente, também projeta no futuro os problemas do século XXI, mas em todo caso não tenta apenas reinventar o passado, mas pensar de fato a partir do presente e não dos anos 1930 ou 1960.

Um universo pós-humano ou transumano, no qual o cenário interestelar serve principalmente para relativizar a atual condição humana e especular sobre como ela poderia se transformar ou ser superada por outras formas de vida. Seus protagonistas, via de regra, seres humanos tão modificados e diversificados em corpo, mente e hábitos que parecem mais estranhos do que a maioria dos alienígenas da Velha Ópera, para não falar das inteligências artificiais “puras” e dos alienígenas propriamente ditos com os quais eventualmente interagem.

Até agora nenhuma antologia ou romance estrangeiro da tal Nova Ópera Espacial foi editado no Brasil. Com exceção de uma resenha de Singularity Sky, de Charles Stross e outra de Durante quest’ultimo, munito di lente d’ingrandimento, dovrai unire tutte le prove raccolte per arrivare a smascherare il colpevole e vincere il mega Jackpot!Cleopatra e una slot machine gratis di 5 rulli e 20 linee di giocata ispirata all’ultima regina d’Egitto, tanto pericolosa quanto affascinante. Natural History, de Justina Robson, ambas por Roberto Causo, também Bonne chance aux tables !Assistance telechargement par telephone : Si vous desirez une aide de la part de PMU, vous disposez d’un service d’assistance par telephone : 3971 (0,09 € TTC / mn depuis un fixe en casino france ). não conheço nenhuma tentativa de apresentar no Brasil essa novidade já bem estabelecida na literatura anglo-saxônica – embora Hyperion de Dan Simmons e suas sequências, que têm algumas de suas características, tenham sido apreciados por alguns brasileiros que leem em inglês.

Quanto aos autores brasileiros, os únicos nos quais notei a tentativa de introduzir temas da Nova Space Opera em suas histórias foram Clinton Davisson no romance Hegemonia e Gerson Lodi-Ribeiro na série Taikodom (juntamente com João Marcelo Beraldo, que participa da série com o romance O Despertar) e A Guardiã da Memória.

Para tentar dar mais um passo nessa direção, escrevi uma minitrilogia de noveletas que também vão nessa direção: Os carangonços de Riobaldo, O xenólogo de Sírius e Eram @s deus@s crononautas (Von Däniken e Gerson que me perdoem o quase-plágio do título), já disponíveis como e-books individuais e em breve uma coletânea em papel da Editora Draco. As três pertencem ao universo que chamo de “Arquivos da Solidariedade Galáctica”, que também inclui (numa perspectiva mais juvenil) o conto Jaya e o segredo de Pala, já aprovado para a coletânea Super-heróis da Draco. Este universo é uma projeção do universo do “Brasil dos outros 500” (ao qual pertencem meus contos steampunk, dieselpunk e solarpunk publicados ou por publicar em coletâneas da Editora Draco e Tarja Editorial) para um futuro dois mil anos posterior.

Não se trata, ainda, de um tipo ideal de “Nova Space Opera” com todas as características mais avançadas do subgênero, mas de uma forma de transição que procura oferecer pontos de contato com o já conhecido e buscar um equilíbrio entre repetição e inovação e abrir caminho a futuras especulações mais audaciosas. Entre os traços “conservadores” estão a referência a culturas humanas hoje existentes, ainda que diversificadas, e a manutenção de concepções tradicionais e provavelmente impossíveis de naves mais rápidas que a luz e comunicações superluminais. A justificação é simples: suponho que as leis físicas do “meu” universo permitem isso. Nos termos do artigo Brincando de Deus: como criar um universo de “Space Opera”, que publiquei há algum tempo neste blog, é um “Universo tipo III”, onde a relatividade especial não é válida, embora de resto busque a plausibilidade científica.

Os descendentes da humanidade se espalharam por um setor da Via Láctea de dez mil anos-luz de diâmetro e formaram uma rede de cooperação com outras espécies inteligentes e inteligências artificiais que é conhecida como “Solidariedade Galáctica”. Não são mais Homo sapiens e sim transumanos que, homens, mulheres ou hermafroditas, foram transformados por engenharia genética e vivem em simbiose permanente com redes de informação planetárias e nanorrobôs que lhes proporcionam a qualquer um a força física, a inteligência, a resistência, a capacidade de regeneração de ferimentos e os sentidos sobre-humanos hoje mais frequentemente atribuídos a extraterrestres ou super-heróis dos gibis. Relacionam-se com os mais poderosos alienígenas propriamente ditos e inteligências artificiais e de igual para igual ou, pelo menos, dentro de um relacionamento mais ou menos equilibrado.

Minha expectativa é provocar os leitores a pensar em não apenas “audaciosamente ir onde nenhum homem jamais esteve”, mas em situações nas quais nenhum homem ou mulher poderiam sonhar em estar, em mundos especulativos reservados a seus descendentes ciborgues, capazes de cruzar outra “fronteira final”, a dos limites da condição humana.

0 Comments

  1. J disse:

    Por favor coloque no ar a página de outros 500 e da solidariedade galáctica, ela á muito boa, é simplesmente genial.

    • Antonio Luiz disse:

      Infelizmente, o UOL cancelou seu serviço de sites gratuitos e tirou essas páginas do ar. Mas se a Editora Draco se interessar em patrociná-las, quem sabe?

      • jonas disse:

        já faz um tempinho, já publicou aquela página com vários dados sobre solidariedade galáctica, inclusive com os planeta de sistemas próximos e o brasil dos outros 500 com aquelas informações sobre os diversos países. Publique por favor :p

    • Antonio Luiz disse:

      Infelizmente, o UOL encerrou o serviço de sites gratuitos e tirou essas páginas do ar. Mas se a Editora Draco se interessar em abrir espaço para elas, quem sabe?

    • Erick Santos Cardoso disse:

      Antonio, conte com o espaço da Draco para hospedar os materiais. Eles são muito bacanas e será um prazer tê-los na casa.

  2. dieta disse:

    Este romance é, entre outras coisas, minha tentativa de criar uma obra de ficção inteiramente realista sobre o tema interestelar. Exatamente como em “Prelúdio para o espaço” (1951), eu usava a tecnologia conhecida ou previsível para descrever a primeira viagem da humanidade além da Terra. Não há nada neste livro que desafie ou negue os princípios conhecidos, a única extrapolação realmente extravagante é a “propulsão quântica” e mesmo esta tem uma origem bastante respeitável. Se ela se revelar uma ideia impraticável, existem várias alternativas possíveis. E se nós, os primitivos do século XX podemos imaginar isso, então a ciência do futuro descobrirá, sem dúvida, alguma coisa muito melhor.

  3. Bom artigo, Antonio. Realmente há muitas possibilidades. Carangonços de Riobaldo? Essa eu quero ler. 🙂